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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Lula quer pacto global contra desinformação e papel de emergentes na rede

Logo da Unesco em abertura de conferência da organização em sua sede, em Paris - Philippe Wojazer/Reuters
Logo da Unesco em abertura de conferência da organização em sua sede, em Paris Imagem: Philippe Wojazer/Reuters

Colunista do UOL

22/02/2023 05h59

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva alerta que as plataformas digitais podem ser uma ameaça para a democracia e defende a regulação das redes num pacto global que inclua governos, empresas e sociedade civil.

Numa mensagem enviada ao maior evento já realizado por uma agência multilateral sobre o desafio das plataformas, Lula insistiu que os ataques de 8 de janeiro contra a democracia brasileira foram resultados de um processo de mentiras e desinformação e pediu que um processo transparente seja estabelecido para debater o futuro das redes.

Ele ainda pede que governos trabalhem para reduzir as lacunas digitais e promover a autonomia dos países em desenvolvimento no âmbito digital.

"Os países em desenvolvimento devem ser capazes de agir de forma soberana na economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos de conteúdo", defendeu Lula, numa mensagem lida pelo secretário de Políticas Digitais do governo, João Brant.

Em seu primeiro governo, o Brasil chegou a costurar uma ofensiva para impedir que a Internet tivesse suas regras estabelecidas apenas por empresas com base nos EUA. Agora, ele volta a defender um novo posicionamento das economias emergentes na indústria digital.

A cúpula reúne a partir desta quarta-feira em Paris representantes de governos, especialistas, vencedores do prêmio Nobel, além de brasileiros como o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, Felipe Neto e a jornalista Patrícia Campos Mello.

O objetivo do encontro é o de começar a desenhar o que pode ser o primeiro documento internacional com diretrizes sobre como deve ocorrer a regulação das plataformas digitais. O pacto, segundo as previsões da Unesco, poderia estar desenhado até 2024.

Para a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, há urgência em dar uma resposta global ao desafio. Segundo ela, 4,7 bilhões de pessoas usam as redes sociais. Ou seja, 60% da população do planeta. Mas, até o final de 2024, mais de 90 eleições vão ocorrer pelo mundo e 2 bilhões de pessoas serão convocadas a votar.

"Não podemos deixar que esses processos democráticos sejam arrastados por traficantes da desinformação, abrindo a porta para todo o tipo de perigo", alertou a diretora-geral. Na avaliação dela, se não houver uma ação, as redes sociais ameaçam "desfazer as sociedades".

Para a chefe da Unesco, cada revolução da informação ao longo da história foi acompanhada por uma revolução das leis.

De fato, cerca de 55 governos já iniciaram processos de regulação das plataformas sociais para proteger a vida democrática. Mas a agência da ONU, só haverá um êxito se esse esforço for global.

"Esse é um problema global. Portanto nossa reflexão precisa acontecer na escala correta, a escala global", defendeu.

Lula alerta para risco para a democracia

De fato, o alerta sobre a democracia é o mesmo adotado por Lula. Segundo ele, existem duas ameaças. A primeira delas se refere ao fato de que esses benefícios são distribuídos "de forma desigual entre pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social".

"O ambiente digital provocou a concentração do mercado e do poder nas mãos de poucas empresas e países", alertou.

O segundo alerta se refere à ameaça de criar instabilidade. "Também causou riscos para a democracia. Riscos para a interação civilizada entre as pessoas. Riscos para a saúde pública. A disseminação da desinformação durante a pandemia da COVID-19 contribuiu para milhares de mortes", denunciou.

"O discurso do ódio faz vítimas todos os dias. Além disso, os mais vitimizados são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades", disse Lula.

8 de janeiro como exemplo

Em sua mensagem, Lula ainda usou os ataques contra a democracia no Brasil por grupos bolsonaristas para exemplificar o risco.

"O mundo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no Brasil em 8 de janeiro. A democracia brasileira venceu essa batalha e agora está mais forte. Entretanto, estaremos sempre indignados com as cenas bárbaras daquele domingo", afirmou.

Segundo ele, o que aconteceu naquele dia foi "o auge de uma campanha, iniciada muito antes, e que usou, como munição, mentiras e desinformação".

"Esta campanha tinha como alvos a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande parte, esta campanha foi alimentada, organizada e divulgada através de várias plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Ela utilizou o mesmo método utilizado para gerar atos de violência em outras partes do mundo. Isto deve parar", disse.

Proposta de ação

Em sua mensagem, Lula defende que haja uma mobilização internacional para que um acordo seja estabelecido para lidar com as plataformas digitais. Para ele, porém, não se pode deixar o processo apenas nas mãos dos donos dessas redes.

"A comunidade internacional precisa, a partir de agora, trabalhar para dar respostas efetivas a esta desafiadora questão de nossos tempos", disse.

O brasileiro insiste que o caminho não é nem a censura e nem a liberdade total de disseminar mentiras.

"Precisamos de equilíbrio. Por um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, um direito humano fundamental. Por outro lado, precisamos garantir um direito coletivo: o direito da sociedade de ter acesso a informações confiáveis, e não a mentiras e desinformação", afirmou.

Controle de poucos ameaça integridade da democracia

Lula deixou claro a visão do governo brasileiro de que não se deve permitir que uma regulação ocorra apenas por um grupo restrito de empresários ou governos.

"Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada por decisões tomadas por alguns poucos atores que atualmente controlam as plataformas digitais", disse.

"A regulamentação deve garantir o exercício dos direitos individuais e coletivos. Deve corrigir distorções de um modelo de negócios que geram lucros explorando os dados pessoais dos usuários", defendeu.

"Para ser mais eficiente, a regulamentação das plataformas digitais deve ser concebida com transparência e participação social. No campo internacional, este assunto deve ser coordenado de forma multilateral. O processo de debate liderado pela UNESCO, tenho certeza, será útil para a construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolverá governos, especialistas e a sociedade civil", disse.

Para ele, a conferência da UNESCO "é o início deste debate, e não o seu destino". "Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de maneira significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas", disse.