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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Acordo ambiental entre Brasil e UE é criticado por falta de transparência

O presidente Lula, durante reunião bilateral com o chanceler da República Federal da Alemanha, Olaf Scholz - FáTIMA MEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Lula, durante reunião bilateral com o chanceler da República Federal da Alemanha, Olaf Scholz Imagem: FáTIMA MEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

18/03/2023 12h01

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O diálogo entre a Europa e o Mercosul sobre um protocolo ambiental que poderia permitir a conclusão de um acordo comercial, depois de 23 anos de negociações, volta a ser alvo de polêmicas. Desta vez, o motivo é a decisão de Bruxelas de exigir que o pacto seja negociado em total sigilo. Com isso, indígenas, ambientalistas e cientistas estão sendo excluídos do processo.

Para entidades ambientalistas, ONGs e ativistas consultados pela reportagem, a medida vai no sentido contrário do que se exige sobre a participação da sociedade civil em temas como clima e desmatamento.

A meta do Mercosul e da Europa é a de concluir um acordo ainda em 2023. Mas, para ser aprovada por parlamentos europeus, a ideia é de que um protocolo ambiental seja estabelecido, criando exigências aos países do Mercosul em termos de compromissos de redução de desmatamento.

Os europeus apresentaram a proposta em uma recente reunião em Buenos Aires, no início de março. Mas a reação de parte dos negociadores do Mercosul foi de "decepção". O temor do bloco é de que os europeus usem a questão ambiental como justificativa para colocar barreiras aos produtos agrícolas sul-americano.

Protesto formal

Cinco entidades de direitos humanos e ambientalistas que acompanham o processo negociador confirmaram que não foram informadas do conteúdo da proposta ambiental dos europeus.

Uma delas chegou a enviar uma carta às autoridades, protestando. Num comunicado ao Parlamento Europeu e para a Comissão Europeia, a Rainforest Foundation Norway (RFN) insistiu sobre a necessidade de que o processo seja transparente.

O grupo aponta que, ainda que os primeiros atos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva sejam promissores em termos ambientais, os riscos estão "longe de terminar".

"As fraquezas ambientais do acordo do Mercosul estão bem documentadas, os riscos de retrocessos na legislação ambiental brasileira ainda são altos e os criminosos ambientais são fortalecidos após lucrarem com a destruição das florestas permitida pelo governo Bolsonaro", disse a entidade, sem sua carta obtida pelo UOL.

"Compromissos ambientais adicionais não vinculativos não impedirão que o acordo comercial contribua para um maior desmatamento e violência contra os povos indígenas e comunidades locais", alertam.

Segundo eles, ainda que a UE esteja ciente dessa situação, o bloco agora "está avançando com o acordo em um ritmo acelerado".

"Na semana passada, os negociadores principais da União Europeia e do Mercosul reuniram-se em Buenos Aires e acordaram um cronograma de trabalho para "intensificar o diálogo a fim de finalizar um acordo mutuamente benéfico e equilibrado", disse. "Esta semana, os membros da Comissão Europeia estão no Brasil para conversas, entre outros, sobre como fazer avançar o acordo comercial", aponta a carta.

"Com eles em suas malas, eles têm um rascunho de documento que foi discutido entre comissários da UE e representantes dos Estados membros da UE e que nunca foi divulgado ao público", denunciam.

Trata-se de um anexo ambiental do acordo de livre comércio com os chamados compromissos ambientais adicionais que, em teoria, deveriam ser cumpridos pelas partes para ter acesso aos benefícios do acordo.

A entidade quer garantias de que o processo seja transparente. "Cientistas, sociedade civil e, em particular, os povos indígenas e comunidades locais devem ser consultados", defendem.

"As necessidades e opiniões desses grupos devem orientar as regras socioambientais do acordo ou de qualquer instrumento ou protocolo complementar. A Comissão da UE prometeu que as organizações da sociedade civil teriam um papel explícito para garantir que a relação comercial contribua para o desenvolvimento sustentável, mas isto ainda não se concretizou", denunciam.

Brasil confirma que Europa pediu sigilo

O Itamaraty confirmou que, por um pedido de Bruxelas, o texto da proposta está sendo mantido em sigilo. "No caso específico da discussão sobre a proposta de texto adicional apresentada pela União Europeia, a própria UE solicitou, por ora, sigilo sobre o documento. Vale lembrar que se trata apenas de uma primeira proposta", disse a chancelaria, em um email ao UOL.

O governo brasileiro esclareceu, ainda, que a recente reunião em Buenos Aires, realizada em 7 e 8 de março, para tratar do tema, "não foi uma reunião negociadora".

"Os negociadores-chefes do Mercosul limitaram-se a receber a proposta da UE, que não havia sequer sido apresentada até o dia 1º de março último", explicou o Itamaraty.

"Não houve, consequentemente, tempo hábil para análise do documento e engajamento em efetiva negociação", explicou. "Durante a reunião, o Mercosul reiterou o compromisso de seus governos com as questões ambientais e trabalhistas, conforme refletido no ambicioso capítulo sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável do acordo", disse.

O governo brasileiro admitiu que, na reunião, o Mercosul se manifestou contrário às leis estabelecidas pela Europa de frear a importação com base em critérios ambientais.

"Manifestou-se, igualmente, preocupação com o efeito das medidas unilaterais europeias, em particular a recente lei antidesmatamento, sobre o aproveitamento futuro das concessões já negociadas no acordo", admitiu o Itamaraty.

"Adiantou-se, ainda, receio sobre os efeitos sistêmicos da nova abordagem europeia, publicada em junho de 2022, de buscar, através de seus acordos comerciais bilaterais, alterar os regimes multilaterais ambientais e reduzir a capacidade dos demais países de determinarem suas políticas públicas de acordo com suas próprias prioridades", destacou o governo brasileiro.

Novas consultas

O governo brasileiro, porém, insiste que está buscando formas de manter a transparência. "Atento às demandas da sociedade civil, o Ministério das Relações Exteriores segue buscando aprimorar os mecanismos institucionais de prestação de contas à sociedade", disse. "Estamos estudando maneiras de promover maior conhecimento sobre o processo atual de negociação, tanto junto à imprensa, quanto à sociedade em geral", prometeu.

"Desde o início do novo governo do presidente Lula, o Itamaraty vem buscando ampliar o contato e as discussões sobre política externa junto à sociedade civil. No caso específico das negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia, foram diversos os contatos mantidos já a partir de janeiro deste ano", disse.

Segundo o governo, um exemplo disso foi a a participação do então secretário de América Latina e Caribe do Itamaraty em conferência internacional realizada em Brasília, no início de fevereiro, sobre "A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional". O evento foi organizado por uma entidade que representa cerca de 120 ONGs.

"Além da intervenção do secretário, diplomatas da unidade do Itamaraty diretamente responsável pelas negociações acompanharam os dois dias de discussões, quando puderam ouvir as demandas e preocupações das ONGs com relação aos acordos e tiveram oportunidade de esclarecer dúvidas e inquietações dos participantes, além de promover a informação de que os textos negociados até 2019 estavam, desde julho de 2021, publicados no site do Itamaraty", explicou.

O governo também insiste que o contato com as ONGs vem sendo "mantido e intensificado pelos negociadores brasileiros, seja por meio de reuniões presenciais, no Itamaraty, seja por contatos telefônicos".

"Os diplomatas sempre se colocaram à disposição para atualizar os interessados sobre o andamento das negociações, resguardados, naturalmente, os elementos que ainda se encontram em negociação e que, por isso, ainda são classificados como "reservados", nos termos da legislação vigente", justificou.

"O Itamaraty está igualmente aberto a receber os aportes da sociedade civil, que são sempre úteis para subsidiar a definição da posição brasileira nas negociações", insiste a chancelaria.