Jamil Chade

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Governo Lula é cobrado a agir contra crimes da ditadura militar

Mais de 170 entidades de direitos humanos no Brasil cobram do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a adoção de medidas concretas para lidar com os crimes da ditadura militar no país, entre 1964 e 1985.

Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, a pauta foi ignorada e o ex-presidente chegou a receber no Palácio do Planalto militares acusados de tortura e se recusou a considerar os acontecimentos de 1964 como um golpe de estado.

A esperança de ativistas era de que, com um novo governo, a pauta fosse retomada com força. Mas alertas surgem quanto à prioridade que o Planalto está dando ao tema.

De fato, num comunicado enviado aos governos de todo o mundo e revelado pelo UOL na semana passada, o Brasil apresentou seus compromissos firmados voluntariamente pelo país para assegurar um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Um deles era a questão dos crimes da ditadura.

Agora, um grupo formado por mais de 170 entidades insiste que é o momento de "avançar nas políticas públicas de memória, verdade, reparação e justiça, com inspiração nas melhores práticas internacionais, bem como caminhar na ampliação destes conceitos e dessa agenda, incorporando não apenas outras temporalidades históricas como também outras vítimas da ditadura militar, levando em conta especialmente os recortes de gênero, raça, classe, território e orientação sexual".

As entidades são lideradas pelo ex-secretário de Justiça, Paulo Abrão, e formam a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça , Reparação e Democracia.

Fazem parte da iniciativa entidades como Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia, Núcleo Memória, Comissão Camponesa da Verdade, Coletivo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, Movimento Mães de Manguinhos, Instituto Vladimir Herzog, Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Associação Brasileira de Anistiados Políticos e Grupo de Pesquisa Justiça de Transição.

Para eles, "um sinal importante do compromisso efetivo com essa agenda seria a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta de forma ilegal no final do governo passado e ainda não restabelecida pela atual gestão".

"É de se notar que, a despeito dos limites legais estabelecidos pela lei 9.140/1995, a CEMDP pode ter um papel estratégico no que se refere ao objetivo de ampliação dessa agenda", defendeu.

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Segundo eles, a Comissão pode ser positiva nos esforços concretos para a ampliação do conceito de desaparecimentos políticos no Brasil. "Por outro, ela reúne uma importante expertise técnica que pode ser colocada à disposição para o esclarecimento das graves violações aos direitos humanos de outros períodos históricos, inclusive das que seguem sendo perpetradas no presente", diz.

Para o grupo, outras medidas devem incluir:

a instalação da Comissão Nacional da Verdade Indígena;

o avanço no reconhecimento das violações aos direitos humanos dos trabalhadores rurais;

a implementação de políticas de memória e reparação sobre a escravidão negra;

o fortalecimento da Comissão de Anistia;

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o fortalecimento da política de arquivos;

o avanço na revisão da lei de anistia e da responsabilização dos perpetradores;

o cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, especialmente no que diz respeito às reformas institucionais voltadas para interromper o genocídio negro nas favelas, periferias e nos espaços de privação de liberdade, bem como àquelas que tratam do aperfeiçoamento das nossas instituições democráticas.

"Apesar da delicadeza do momento atual, marcado por limites políticos e orçamentários decorrentes da passagem de um governo de extrema-direita para uma gestão democrática, os quais dificultam a implementação desse programa em sua totalidade, acreditamos que tais iniciativas são fundamentais para a defesa e o fortalecimento da nossa democracia, tão atacada nos últimos anos", defendem as entidades.

Para o grupo, a fim de demonstrar na prática seu compromisso com essa agenda, o governo deveria garantir recursos para a implementação e execução das políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.


Lei da Anistia

Num comunicado separado, o Instituto Vladimir Herzog ainda reforçou sua posição de defesa das recomendações do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas sobre o Brasil, publicadas em relatório na última quarta-feira (26).

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O documento, conforme o UOL revelou em primeira mão, registra a preocupação do comitê quanto à falta de implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e pede a revisão da Lei da Anistia e a criminalização de discursos de ódio.

Em abril deste ano, uma comitiva do Instituto Vladimir Herzog (IVH) esteve em Brasília e se reuniu com diversos integrantes do governo brasileiro para a apresentação e entrega do relatório "Fortalecimento da Democracia: Monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade", produzido com apoio da Fundação Friedrich Ebert.

O relatório aponta que do total das 29 recomendações gerais, apenas 2 foram realizadas (7%), 6 parcialmente realizadas (21%), 14 não realizadas (48%) e 7 retrocedidas (24%), o que revela uma situação preocupante.

Segundo a entidade, o ministro Silvio Almeida, da pasta de Direitos Humanos e da Cidadania, assumiu uma série de compromissos, entre eles a criação de uma comissão com o objetivo de dar encaminhamento às recomendações da CNV.

"Três meses após a entrega ao estado brasileiro do relatório produzido pelo IVH, a ONU reforça aquilo que já alertávamos: é absolutamente urgente que o Brasil implemente tais dispositivos para o cumprimento efetivo das recomendações para, acima de tudo, fortalecer os direitos humanos e a democracia em nosso país", afirma a entidade.

Segundo o Instituto, episódios como o 8 de janeiro de 2023 "são desdobramentos da lamentável incapacidade do Estado Brasileiro de atuar na punição de agentes que historicamente atentaram - e ainda atentam - contra a democracia".

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A entidade faz sua cobrança:

Enquanto o atual Governo não garantir a implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, estaremos fadados a sucessivos ataques contra o Estado Democrático de Direito.

Segundo eles, à medida que o décimo aniversário da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade se aproxima, em 2024, é "crucial reconhecer que ainda há muito a ser feito em relação à justiça e à reparação para as vítimas da ditadura militar, bem como para avançar nos trabalhos de apoio aos que sofrem violência policial e do Estado mesmo em tempos de democracia".

Para o IVH, a implementação dessas recomendações não apenas promove a justiça e a reparação histórica, mas também fortalece os valores democráticos e o respeito aos direitos humanos no país.

O Instituto, portanto, faz um chamado ao atual governo brasileiro, "que tem publicamente assumido o compromisso contra a desigualdade e pelo avanço no fortalecimento da democracia em nosso país, que não tarde em agir efetivamente para a mudança de uma cultura de violência".

"Somente por meio de ações concretas que alcançaremos uma sociedade mais inclusiva, igualitária, justa e verdadeiramente democrática", completa a nota.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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