Geopolítica não pode abalar combate à fome e clima, diz Lula ao assumir G20
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, neste domingo durante a cúpula na Índia, seu plano e agenda para assumir a presidência do G20, a partir de dezembro. Em um discurso, ele deixou claro que não quer que assuntos de geopolítica sequestrem a agenda de desenvolvimento. Ou seja, que temas como o combate à fome e pobreza não sejam abafados por questões relacionadas com a guerra na Ucrânia.
Lula, um dia antes, havia declarado em entrevista à imprensa indiana que o presidente russo Vladimir Putin não será preso se viajar ao Brasil para as reuniões do G20, em 2024. Há um pedido de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra o líder russo, por crimes contra a humanidade, e o Brasil ratificou o tratado da corte.
Para o governo brasileiro, qualquer sinalização no sentido contrário e de uma eventual prisão de Putin poderia contaminar imediatamente todo o debate do G20 e levar a reunião a uma irrelevância e fracasso. Na avaliação ainda de Brasília, tal pedido de prisão não contribuiria para eventuais negociações em busca de uma saída pacífica para a guerra.
Mas potências ocidentais lembram que o Brasil tem a obrigação de cumprir as decisões da Corte, em Haia.
Lula, porém, insiste que a agenda internacional não pode ser abalada. Ele deixou claro que a redução da desigualdade estará no centro dos debates internacionais da agenda que o Brasil quer implementar, além da questão climática e a reforma das instituições globais. Lula citou Mohandas Gandhi e como sua vida teria sido pautada pelos ensinamentos do pacifista indiano.
O lema da presidência será "construindo um mundo justo e um planeta sustentável".
Nós não podemos deixar que questões geopolíticas sequestrem a agenda de discussões das várias instâncias do G20. Não nos interessa um G20 dividido. Só com uma ação conjunta é que podemos fazer frente aos desafios dos nossos dias. Precisamos de paz e cooperação em vez de conflitos.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Ao longo dos últimos meses, uma das preocupações da diplomacia brasileira tem sido a de impedir que a rivalidade entre China e EUA ou que a guerra na Ucrânia impeçam que temas de interesse dos países em desenvolvimento possam avançar na agenda internacional. Isso tem sido visto na OMS, nos órgãos sociais da ONU e nas reuniões de chefes-de-estado.
Umas das constatações é de que, diante da disputa entre hegemonias, temas como o combate à fome ou à pobreza desapareçam da lista de prioridades no mundo, assim como a forma da ONU e dos organismos internacionais. É essa a tendência que o Brasil quer inverter.
O Brasil assume oficialmente a presidência do G20 a partir de dezembro e durante todo o ano de 2024. Mas, neste domingo, coube a Lula apresentar o programa de suas prioridades, no que é considerado pelo Itamaraty como uma das maiores operações internacionais do país em décadas.
Por meses, as cidades brasileiras receberão com frequência ministros e negociadores das maiores economias do mundo. A cúpula ocorrerá no Rio de Janeiro, no final de 2024.
Mas, diante de uma das maiores crises diplomáticas em décadas, de um mundo fragmentado, guerra e desconfiança entre países, analistas destacam que o Brasil terá um desafio para que acordos possam ser atingidos.
Redução de desigualdade no centro da agenda
Lula, em seu discurso neste domingo, deixou claro que a presidência brasileira vai tentar blindar a agenda social da contaminação do debate da guerra.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberO presidente admitiu que, diante da crise financeira de 2008, o G20 passou a ser focal na governança global. Naquele momento, segundo ele, o bloco conseguiu coordenar ações para salvar o sistema.
Mas, segundo ele, as medidas foram insuficientes para corrigir os "equívocos estruturais do neoliberalismo".
"Há 15 anos, este grupo se consolidou como uma das principais instâncias de governança global na esteira de uma crise que abalou a economia mundial. Nossa atuação conjunta nos permitiu enfrentar os momentos mais críticos, mas foi insuficiente para corrigir os equívocos estruturais do neoliberalismo", disse.
"A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. Novas urgências surgiram. Os desafios se acumularam e se agravaram", disse.
"Vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada. Em que milhões de seres humanos ainda passam fome. Em que o desenvolvimento sustentável está ameaçado. Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado", alertou.
Segundo ele, o mundo só vai "conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade".
"A desigualdade de renda, de acesso a saúde, educação e alimentação, de gênero e raça e de representação está na origem de todas essas anomalias", disse.
"Se quisermos fazer a diferença, temos que colocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional", insistiu.
Agora, Lula desembarca na presidência do grupo com três prioridades
a inclusão social e o combate à fome;
a transição energética e o desenvolvimento sustentável em suas três vertentes (social, econômica e ambiental); e
a reforma das instituições de governança global.
Para esses objetivos, Lula anunciou que o governo irá lançar duas iniciativas: a Aliança Global contra a a Fome e a Pobreza; e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
Segundo ele, o mundo precisa redobrar os esforços para atingir a meta de acabar fome no mundo até 2030. Se isso não ocorrer, ele julga que será o "maior fracasso multilateral em anos". Por isso, pede vontade política e compromisso dos governos.
Lula ainda destacou que agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes, e também recursos.
No que se refere às reformas das instituições, Lula deixa claro que vai lutar por uma maior participação dos emergentes no FMI e no Banco Mundial, além de uma equação da dívida dos países mais pobres.
Ele também defendeu que a OMC "volte a funcionar" e destacou que, se a ONU quer recuperar sua força politica, o Conselho de Segurança precisa contar com novos países em desenvolvimento como membros permanentes.
"A comunidade internacional olha para nós com esperança, porque reunimos no G20 economias de países emergentes e países desenvolvidos. Representamos 80% do PIB global, 75% das exportações e cerca de 60% da população mundial", disse.
Consulta com sociedade civil
Evitar que a guerra contamine a agenda do G20 faz parte dos princípios que Lula apresentou sobre os trabalhos da presidência. O brasileiro ainda indicou que outros elementos consistem em garantir que haja recursos para as políticas propostas e que consultas com a sociedade ocorram.
"Segundo, nós temos de ouvir a sociedade. Não existem governos sem sociedade. A presidência brasileira vai assegurar que os grupos de engajamento tenham a oportunidade de reportar suas conclusões e recomendações aos representantes de governo", disse.
Lula cita mortes no RS e diz que sua vida foi influenciado por Gandhi
Lula, ao discursar, abandonou o texto preparado em duas ocasiões. Numa delas, ele voltou a destacar como o clima tem gerado abalos em várias partes do mundo e que um exemplo disso seria o ciclone no Rio Grande do Sul, que deixou 46 mortos. "Nunca tinha havido um ciclone (ali)", disse.
"A natureza continua dando demonstração de que temos de cuidar dela com muito mais carinho", afirmou. "Isso nos chama a atenção, pois fenômenos como esse tem ocorrido em diferentes lugares do mundo", disse.
Para completar, Lula agradeceu por ter ido visitar um local em homenagem a Gandhi. Segundo ele, isso tinha "muito significado" e que se "emocionou". Segundo o presidente, a filosofia da não violência pregada pelo indiano foi sua inspiração, desde o movimento sindical.
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