Lula, Tribunal Penal Internacional está em nossa Constituição
Caro presidente,
Apesar de o senhor ter dito nesta segunda-feira que nem sabia da existência do Tribunal Penal Internacional, permita-me relembra-lo de algumas coisas.
Foi em março de 2003, com um trabalho impressionante de teu então chanceler, Celso Amorim, que o Brasil conseguiu eleger Sylvia Steiner como juíza da corte.
Mas acredito que o aspecto fundamental para que tenhamos em mente é que qualquer iniciativa de reavaliar o papel do Brasil no Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, exigirá uma revisão da Constituição.
Basta ir ao Título 2 da Constituição, sobre Direitos e Garantias Fundamentais, para constatar a dimensão de nosso engajamento. No Artigo 5, há uma referência clara:
O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
Ou seja, trata-se de uma cláusula pétrea.
A adesão do Brasil ocorreu pouco antes da posse do senhor, como presidente. Em 2002, o Congresso Nacional ratificou o Estatuto de Roma, depois de anos de negociações.
Também na Constituição está determinado que:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Anos depois, em 2015 e sob a gestão de Dilma Rousseff, foi promulgado no Brasil o acordo de privilégios e imunidades da corte.
Hoje, dois países que fazem parte do Conselho de Segurança estão no Tribunal Penal Internacional: França e Reino Unido. Além deles, Alemanha, Austrália e Japão estão entre os 123 países que fazem parte da corte.
Sim, é de uma hipocrisia profunda o fato de que os mais poderosos países do mundo terem se recusado a aderir ao Tribunal. Uma ofensa ao direito internacional e à paz.
De fato, justamente durante o governo de Donald Trump, os americanos adotaram sanções contra os funcionários do tribunal - impedindo até mesmo a entrada dessas pessoas no país - simplesmente por eles terem iniciado investigações sobre o papel de seus soldados. Joe Biden já desfez essas medidas.
Sim, a corte tem sido acusada de ser um instrumento contra os mais pobres e de ter focado, de maneira prioritárias, suas ações no Sul Global.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberIsso é um problema? Sim, enorme, inclusive para a credibilidade dos trabalhos da corte.
E isso precisa mudar caso queiramos falar em "justiça global", um conceito tão revolucionário quanto incipiente ainda.
Mas me pergunto: Se existe um compromisso do governo brasileiro em defender o multilateralismo e com a paz, sair da corte seria o melhor caminho? Justamente num momento em que há uma pressão internacional por uma ratificação universal do tratado?
Para seu amigo e aliado Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, o Tribunal se tornou um "pilar fundamental do Estado de Direito no mundo".
"O Tribunal ajudou a investigar e a obter condenações em casos importantes, como o uso de crianças-soldados ou de violência sexual como tática de guerra, e também ataques a bens culturais, ao mesmo tempo em que ajudou muitos Estados Partes a reforçar seus sistemas de justiça criminal interna", disse, num discurso.
Essas são apenas algumas considerações. Não pretendo ter respostas definitivas.
Mas será enfraquecendo o sistema capaz de lidar com a justiça internacional que a lei da selva que marca o mundo neste século 21 vai ser superada?
Saudações democráticas,
Jamil
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