Jamil Chade

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Extrema direita dos EUA ligada a Trump ofereceu ajuda a bolsonaristas

Parlamentares brasileiros estão em estreito contato com a ala mais radical do movimento conservador americano e que serviu de base para Donald Trump, recebendo assistência e consultoria sobre como ampliar a narrativa de que o Brasil estaria vivendo uma suposta censura e repressão. Documentos obtidos pelo UOL revelam que a entidade ADF, em Washington DC, enviou cartas confirmando reuniões e acolhendo os parlamentares.

A ADF é uma das principais instituições ultraconservadoras dos EUA, atuou na campanha de Trump e que aparece na formulação do Projeto 2025, uma espécie de "lista de desejos" da extrema direita ao presidente eleito. O rascunho do que pretende ser o governo Trump contou ainda com 140 ex-conselheiros do republicano.

A ideia original dos parlamentares brasileiros era realizar uma reunião para denunciar as supostas violações à liberdade de expressão no Brasil, durante uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O encontro, marcado para o dia 11 (segunda-feira) acabou sendo cancelado e uma reunião na próxima sexta-feira deve contar apenas uma parte do grupo dos deputados brasileiros.

Mas uma troca de mensagens revela a assistência que a ADF oferece ao grupo bolsonarista. Numa carta ao senador Jorge Seif (PL-SC), a instituição se oferece para dar conselhos sobre como agir. O senador não retornou e não atendeu os telefonemas da reportagem.

"Em nome da ADF International, a maior organização jurídica do mundo dedicada à defesa da liberdade de expressão, da liberdade de religião, dos direitos dos pais e do direito à vida, escrevemos a Vossa Excelência hoje para estender um convite para visitar nosso escritório regional localizado em Washington D.C., Estados Unidos, no contexto da próxima audiência temática da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a questão da liberdade de expressão e a regulamentação das mídias sociais", diz a carta enviada pela ADF ao senador.

"Como uma organização que tem acompanhado de perto a situação no Brasil nos últimos anos, gostaríamos de ter a oportunidade de recebê-lo e aos colegas que o acompanham antes da audiência agendada", diz.

"Discutiremos a situação atual e o informaremos sobre insights e práticas recomendadas para audiências temáticas com a Comissão", afirmou a carta, de outubro de 2024 e assinada por Tomás Henríquez, diretor para a América Latina e o Caribe. A entidade deixa claro que cabe aos parlamentares brasileiros pagar pela viagem.

Fontes em Washington DC confirmaram que a aproximação entre a Alliance Defending Freedom (ADF International) e os parlamentares brasileiros passou a ser acompanhada de perto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A entidade se transformou, nos últimos anos, num dos grupos de pressão mais influentes nos EUA. Com um orçamento de mais de US$ 50 milhões, 60 funcionários permanentes e mais de 3.000 advogados em seus casos, a organização soma dezenas de vitórias em processos na Corte Suprema americana para defender uma agenda ultraconservadora.

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Pacheco autoriza viagem e Senado arcaria com custos

A entidade ampliou sua influência durante a primeira gestão de Donald Trump e passou a ser classificada por monitores de extremismo como um "grupo de ódio".

No dia 22 de outubro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, enviou uma carta ao senador do PL autorizando sua eventual participação nas reuniões em Washington DC "com ônus ao Senado Federal com passagens aéreas, diárias e seguro-viagem no debate com a ADF International, bem como na audiência com a Comissão Interamericana".

Suspensão do X

Em setembro, a mesma organização escreveu uma carta para a Comissão Interamericana demandando uma "intervenção urgente contra as violações de liberdade de expressão" no Brasil. Nesta semana, o dono da plataforma X, Elon Musk, foi nomeado por Trump para um cargo em seu futuro governo.

Paul Coleman, diretor executivo da ADF International, que coordenou a carta à Comissão, afirmou na época que "o estado de censura no Brasil é grave e está piorando em um grau extremo, posicionando o país entre os piores em termos de restrições à liberdade de expressão nas Américas".

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"Todo brasileiro tem o direito humano fundamental à liberdade de expressão. O que as autoridades brasileiras estão fazendo é uma violação direta das leis brasileiras e internacionais, e a comunidade global deve responsabilizá-las", disse.

"Se for permitido que o Brasil continue nessa linha autoritária, outros países do Ocidente provavelmente seguirão seus passos, impondo ordens draconianas para silenciar a fala e proibindo locais de reunião digital. É imperativo que usemos nossas vozes para defender a liberdade de expressão enquanto ainda temos a liberdade de fazê-lo", completou.

Outro tema central é o aborto. A ADF chega a alertar para a existência de uma "indústria inteira que lucra com cada criança morta no útero". Um dos apelos do grupo é para que a sociedade "reconheça a dignidade humana dos bebês não nascidos" e que "proteção legal" deveria ser garantida a eles.

"O aborto legal não protege as mulheres. O aborto certamente mata os bebês no útero, mas também pode levar à lesão ou à morte da mãe. A Alliance Defending Freedom tem auxiliado os advogados aliados no litígio de vários desses casos e continuará a proteger o bem-estar físico tanto da mãe quanto do filho", argumenta a ADF.

Sob a administração de Trump, o grupo ainda ganhou acesso aos principais corredores do poder. A ADF ainda ganhou espaço na imprensa americana ao defender um confeiteiro que se negou a fazer um bolo de casamento para um casal homossexual.

Nesse processo de expansão da ADF, a relação com o Brasil se fortaleceu com a gestão de Damares Alves no Ministério de Direitos Humanos. Em meados de 2019, ela aproveitou uma viagem aos EUA para se reunir com a entidade, em Washington. Ela ainda esteve no Departamento de Estado norte-americano.

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Anos antes, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos estabeleceu um acordo com a ADF. A associação brasileira tinha, como membro em 2012 e 2013, a advogada e pastora Damares Alves.

Num comunicado que anunciava o projeto, chamado de Blackstone Legal Fellowship, a associação indicou que a parceria tinha como objetivo "enviar estudantes evangélicos brasileiros que cursam direito para fazer um estágio intensivo nos EUA".

Numa reportagem, o jornal The Guardian ainda revela como, em Belize, o ADF deu apoio a uma organização que pressionava para criminalizar o sexo entre duas pessoas do mesmo sexo, enquanto na Índia seu representante comemorou decisões dos tribunais contra gays. Já na Romênia, a entidade apoiou um referendo para tentar impedir a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Num caso na Corte Europeia de Direitos Humanos sobre pessoas transgênero, advogados da ADF argumentaram que "igualdade de dignidade não significa que toda orientação sexual merece o mesmo respeito".

Em sua argumentação, os advogados ainda usaram termos ultrapassados e hoje rejeitados na OMS para designar trans como uma "desordem mental".

Para quem acompanha a história do grupo, isso não deve surpreender já que um de seus fundadores, Alan Sears, é autor de um livro: "A Agenda Homossexual - Expondo a principal ameaça contra a liberdade religiosa hoje".

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Nos EUA, ADF é acusada de ser grupo de ódio

Em 2017, o senador americano Al Franken já afirmava que entidade seria um "grupo de ódio", algo contestado pelo grupo religioso. Ele se referia a uma classificação anunciada pela entidade Southern Poverty Law Center (SPLC), que tem focado seus esforços em mapear grupos de ódio nos EUA, além de combater o racismo e injustiças. Seus especialistas concentram seu trabalho no monitoramento de grupos extremistas.

A SPLC explicou que tal classificação foi estabelecida diante da postura da ADF contra grupos LGBT. "ADF difunde mentiras sobre a comunidade LGBT", diz o Southern Poverty Law Center.


"Por exemplo, ela vinculou o fato de ser LGBTQ+ à pedofilia e alegou que uma "agenda homossexual" irá destruir a sociedade", explicou o SPLC. "A ADF tenta expressar sua retórica em frases benignas, mas a verdade é que ela trabalha para desumanizar as pessoas LGBTQ+ e restringir seus direitos de serem quem são", alerta.

Outros exemplos estão as defesas de advogados do grupo a estudantes que tentam distribuir panfletos religiosos em universidades e processos contra pessoas transgênero. O grupo ainda providenciou uma defesa para uma proprietária de uma floricultura que se recusou a fornecer arranjos florais para um casal entre duas pessoas do mesmo sexo.

A ADF, porém, rejeita ser classificado como "grupo de ódio", nega qualquer tipo de extremismo e questiona a credibilidade da SPLC. Para ele, trata-se "organização politicamente partidária e voltada para a captação de recursos".

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"Enquanto o SPLC fez um bom trabalho décadas atrás lutando contra a segregação no Sul, ele se tornou uma organização não confiável, cheia de escândalos e ativista de extrema esquerda que ataca qualquer um que discorde de sua estreita agenda política", acusa a ADF.

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