Jamil Chade

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Doria diz que Haddad surpreende e elogia Campos Neto

João Doria diz que não concorrerá nem a presidente de seu time, o Santos. Mas, em entrevista exclusiva ao UOL, deixou claro que tem ideias claras sobre a situação do Brasil, sobre o papel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sobre como aproveitar o retorno do país ao cenário internacional para tranquilizar os investidores estrangeiros.

O ex-governador de São Paulo teceu elogios ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas também destacou o papel de Roberto Campos Neto ao garantir a autonomia do Banco Central.

Numa conversa de uma hora com a reportagem, Doria ainda destacou dois pontos de desafio para o Brasil diante dos investidores estrangeiros: a garantia de segurança jurídica e a estabilidade institucional.

Para ele, Lula tem a possibilidade de assumir, no Brasil, o mesmo papel que Nelson Mandela teve para a África do Sul: o de pacificador. Mas insiste que, para isso, o presidente terá de ser um "líder generoso":

Isso não significa estabelecer perdão para quem cometeu crimes. Mas quem tem que cuidar disso é o Judiciário, e não o presidente. Ele precisa olhar para frente e gerenciar o futuro do Brasil. Cabe a ele comandar o futuro do Brasil e não precisa ficar fazendo críticas frequentes a Bolsonaro e aos que já ocuparam cargos passados. O líder olha para frente e governa para todos. Lula, se desejar, poderá cumprir para o Brasil o mesmo papel que Nelson Mandela teve na África do Sul, sendo um líder pacificador, agregador e gestor para todos, sem exceção.

Eis os principais trechos da entrevista:

Jamil Chade - Como o sr. vê a situação econômica do Brasil, depois de nove meses de um novo governo?

João Doria - De uma maneira geral, melhor. E o crédito a essa melhoria da economia é de duas lideranças que precisam ser destacadas, por postura, atitude e o emprego das políticas corretas. Um deles é Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Contrariando expectativas, soube fazer formulações adequadas para o país. Teve a capacidade de ouvir o mercado privado, com humildade e com sensibilidade. Ele surpreendeu a todos. Ninguém imaginou que ele fosse capaz de fazer isso e de forma bem-feita. E ele fez.

E quem seria o segundo personagem?

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Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, que não apenas soube preservar a autonomia do BC como prerrogativa constitucional, como também sinalizou corretamente nas medidas que o governo precisa adotar para reduzir as despesas e manter o rigor fiscal. Soube fazer com muita tranquilidade, apesar dos emparedamentos e xingamentos que recebeu.

Ele criou um canal de diálogo com Fernando Haddad que, ao invés de usar a mesma linguagem de alguns membros de seu partido de classificar o Roberto Campos Neto como um traidor, golpista e inimigo do Brasil, soube criar um canal de comunicação correto. E o resultado aí está. O Brasil tem uma inflação relativamente sob controle, uma expectativa presente e futura de crescimento, e uma análise dos bancos internacionais positiva, e até das agências de classificação de risco.

Os dois grandes responsáveis por isso são eles dois, e merecem elogios por isso.

O sr. acha que a taxa de juros ainda continua elevada demais?

Ela é adequada para as circunstâncias do país. Com suas sucessivas quedas, ela da tranquilidade ao mercado para planejar e visualizar seu futuro, de curto e médio prazo. Ela está numa expectativa de queda controlada e também permitindo que os setores da economia se adaptem de forma adequada a essa queda previsível. Há três meses, não era previsível. Agora, sim, é.

E se houver uma situação de uma recuperação mais acelerada, eu percebo que o BC será capaz de avançar além do meio ponto, que é o que está estipulado nas próximas quedas da taxa de juros. Não sinto um compromisso imutável, apenas cauteloso.

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Como o sr. tem visto a reação dos investidores estrangeiros diante dessa nova fase da economia brasileira?

Também de forma positiva. Igualmente surpresos. Os bancos e fundos de investimentos hoje enxergam a economia brasileira com um nível de controle responsável, o que é muito importante. Investidor está interessado que seu capital possa trazer um retorno de médio e longo prazo, ele tem uma preocupação social. É positiva a visão do mercado, que avalia a importância da responsabilidade fiscal e responsabilidade econômica no Brasil.

O outro destaque é o respeito ambiental. Dado que o Brasil tinha, no governo anterior, uma situação de descontrole sobre políticas ambientais e leniência explicita sobre procedimentos que agrediam o meio ambiente e permitiu invasão de terras indígenas. O governo atual estabeleceu uma conduta elogiável de compromissos com a proteção ambiental, o que refletiu muito positivamente na imagem de investidores internacionais, desbloqueando vetos que existiam em relação a investimentos no país.

Quem fez isso?

Investidores japoneses e europeus, que tinham cessado a análise de investimentos no Brasil enquanto não houvesse uma política clara de respeito ambiental. Nesses dez meses, isso foi reconquistado. Eu classificado como uma vitória do atual governo, não que não possa merecer reparos, como no episódio da Petrobras no Norte do país, que classifico como equívoco, mas é menos representativo no reflexo para os investidores.

E quais são os pontos de atenção destacados por esses investidores, em relação ao Brasil?

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São dois pontos. O primeiro deles é segurança jurídica. Nenhum investidor gosta de aplicar recursos em países onde não há segurança para o seu investimento — respeitar e observar as leis, e respeitar as decisões do passado recente ou remota.

Se houve uma privatização ou uma concessão, precisa ser respeitada. Goste ou não. Mas ela pode ser violentada, em prejuízo daquele que acreditou na lei brasileira.

Em qual episódio essa segurança jurídica foi ameaçada?

As sinalizações equivocadas sobre a Eletrobras foram sentidas como turbulências nessa segurança jurídica. Ela foi privatizada em um processo amparado pela Constituição. Os investidores temem que qualquer manifestação que coloque em risco essa privatização coloque em risco todas as privatizações. É um sinal muito perigoso.

E qual o segundo ponto de atenção dos investidores internacionais?

A estabilidade institucional. É preciso que o governo e o presidente Lula sejam os porta-vozes dessa estabilidade. Isso não significa abrir mão de apurações, de investigação que a Justiça deve fazer em relação ao passado recente, de ameaças à democracia.

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Mas o presidente Lula precisa ser o agente da pacificação e da união do Brasil. Endereçar o seu discurso para essa estabilidade e para um presidente que governa para todos os brasileiros. Não apenas para quem os elegeu. Estou falando isso do ponto de vista dos investidores internacionais.

Os investidores acreditam então que ele não está sendo suficientemente explicito nessa função?

É preciso que o discurso do presidente seja estabilizador, na visão desses investidores. Querem a certeza de que o país não vai entrar num embate político que possa gerar instabilidade e refletir na economia. O presidente Lula pode ser o grande porta-voz disso, ele tem essa chance, na minha opinião.

O sr. acredita que o Brasil conseguiu se reinserir no cenário internacional, depois de quatro anos no estado de pária?

Houve um reconhecimento por parte de investidores de que o Brasil retornou ao centro de discussões internacionais, seja no debate Norte-Sul, sobre os grandes temas como paz e o combate à pobreza. Foi uma conquista. Nos últimos dez meses, o Brasil foi reinserido no cenário internacional.

Mas o presidente Lula precisa aproveitar esse cenário para se apresentar como um pacificador, não como um "líder raivoso". Ele precisa ser um líder generoso. Isso não significa estabelecer perdão para quem cometeu crimes. Quem deve cuidar disso é o Judiciário, não o presidente. Cabe a ele comandar o futuro do Brasil, não precisa ficar fazendo críticas frequentes a Bolsonaro e aos que ocuparam cargos passados. O líder olha para frente e governa para todos.

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Lula, se desejar, poderá cumprir para o Brasil o mesmo papel que Nelson Mandela teve na África do Sul, sendo um líder pacificador, agregador e gestor para todos, sem exceção.

Como é a vida pós-política?

É uma vida em paz e em família. A política leva a pessoa ao embate e eu entendo isso. Hoje, aos 65 anos, me sinto muito mais pacificador nessa volta ao setor privado e me sinto realizado, sem desejo de voltar à vida pública. Mas sem qualquer tipo de mágoa ou ressentimento em relação ao período que atuei por quase sete anos na política. Ao contrário, sinto orgulho.

Hoje, eu posso fazer coisas que não fazia: jogo futebol, saio com os amigos para jantar, vou ao cinema. Houve um movimento para eu disputar a presidência do Santos FC — não vou virar as costas para meu time, mas não vou disputar a eleição.

Então não teremos uma candidatura de João Doria em 2024?

Não. Mas vou ajudar e contribuir. Nunca vou virar as costas para meu país.

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