Jamil Chade

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Opinião

Horror da guerra esgotou o dicionário

Certa vez, um amigo muito querido me disse que sentia um amor tão grande por uma pessoa que o deixava impotente. Não por fracassar em demonstra-lo. Ou não encontrar abrigo para seu destino. Mas por ele ser tão avassalador que não conseguia traduzir em palavras.

Coisa de escritor, pensei eu. Será que não basta amar e demonstrar isso?

Mas nestes últimos 15 dias, senti exatamente esse mal-estar, causado por um déficit de repertório diante de uma situação que supera o que é humano. O motivo não era o amor. Mas o horror.

Em nenhuma das cinco línguas que falo parecia existir um espelho para o que presenciamos, tanto entre as famílias israelenses brutalizadas pelo Hamas. Ou pelo terremoto causado pelos mísseis de Benjamin Netanyahu sobre Gaza.

Como descrever tudo aquilo? Como traduzir o luto, a dor?

Putin, na Rússia, resolveu o problema da cobertura da guerra no melhor estilo autoritário: proibiu que a imprensa de seu país usasse a própria palavra "guerra". Na capa de um jornal no dia seguinte, a resposta inteligente e desafiadora:

Pelo menos a palavra paz ainda é autorizada.

Semanas depois, aquele jornal deixou de existir.

Talvez fosse mais fácil se a paz deixasse cicatrizes. Será que se a carregássemos pelo corpo, nos lembraríamos que a guerra deve ser evitada a qualquer custo?

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Pensei que estava sozinho nessa situação de caçar palavras para descrever o que via em imagens que não pareciam reais. Até que me dei conta que há mais gente comigo. Na verdade, uma instituição inteira: as Nações Unidas.

A cada dia que passa, o que vejo é o serviço de imprensa da ONU, sua cúpula e seus speech writers desesperados. Não há mais, no dicionário, equivalentes para aquelas lágrimas. Não há mais, na lista de sinônimos, um espelho para o corpo de um garoto que tremia depois de um bombardeio.

Tudo começou com declarações de que os atentados do Hamas causaram "profundo choque". À medida que os detalhes surgiram, os comentários migraram para uma "condenação inequívoca", enquanto líderes se diziam "horrorizados".

Em Gaza, a crise também obrigou a instituição a sair em busca de definições. O que era inicialmente uma "preocupação profunda" passou a ser um "necrotério", "inferno" ou "tragédia":

Em termos legais, houve também uma transformação. Passamos de "possíveis violações do direito humanitário internacional" para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e até risco de genocídio. Tudo isso em apenas duas semanas.

Neste sábado, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, lançou mão de mais uma definição insuficiente e cada vez mais vazia: "pesadelo".

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Enquanto ele falava, no auge de sua impotência institucional e de vocabulário, morria em Gaza a romancista palestina Heba Abu Nada. Sob bombardeio em Khan Yunis, ela escreveu no dia 8 de outubro:

A noite da cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis, silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios, assustadora, exceto pela garantia das súplicas...

Quando o horror supera as palavras, não é mais tempo de buscar um novo dicionário. Apenas a paz.

Pelo menos enquanto ela não for proibida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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