Jamil Chade

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UE quer fechar acordo com Mercosul antes de Milei assumir

A União Europeia afirma que continuará trabalhando para finalizar o acordo entre Mercosul e o bloco europeu até o prazo de 7 de dezembro, estabelecido pelos dois grupos. Numa declaração nesta segunda-feira, a Comissão Europeia insistiu que as negociações têm sido "extremamente construtivas" e que o plano é de que o processo seja encerrado até o final de 2023.

A próximas reuniões entre o Mercosul e a UE estão marcadas para ocorrer em Brasília na próxima sexta-feira e sábado, na sede do Instituto Rio Branco.

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, declarou que poderia retirar seu país do Mercosul, num gesto que abalaria todos os planos de um pacto comercial entre os dois blocos. Ele, porém, assume o governo no dia 10 de dezembro, depois do prazo que Mercosul e UE estabeleceram para que um entendimento fosse costurado.

Dentro do governo brasileiro, o objetivo é o de usar a cúpula do Mercosul no dia 7 de dezembro no Rio de Janeiro para fazer o anúncio de um acordo, o que significaria o estabelecimento do maior e entendimento de livre comércio do mundo.

Para a UE, a meta continua sendo a de entregar um acordo finalizado dentro do prazo estabelecido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen. Em outubro, várias reuniões ocorreram entre os dois blocos e, na última semana, mais uma rodada de negociações foi realizada.

"As negociações estão sendo extremamente construtivas e focadas", afirmou um porta-voz da UE. "Continuamos trabalhando para uma fechar antes do final do ano", disse.

Mas existem dúvidas sobre como irão reagir a partir de agora os negociadores argentinos, principalmente com uma equipe de transição sendo estabelecida.

Brasil insiste que UE terá de mostrar flexibilidade e fazer concessões

No Palácio do Planalto, a meta também é a de chegar no dia 7 de dezembro com um acordo. Mas existem ainda dúvidas também sobre a capacidade de a Europa de rever algumas das suas exigências, principalmente no setor ambiental.

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Negociadores brasileiros ainda olham com desconfiança a postura da Europa, hesitante em aceitar que não poderá usar a questão do desmatamento como argumento para elevar tarifas de importação.

No Itamaraty, a percepção é de que, se isso não mudar, não haverá acordo. A esperança do Planalto é que, nos próximos dias, a UE faça concessões e mostre flexibilidade. Para o Brasil, ainda que Milei possa ser uma ameaça, não se justificaria fechar um acordo decisivo com a UE apenas para não perder tempo.

Para Bruxelas, porém, a situação é de uma encruzilhada. Se a UE perder a oportunidade neste momento de fechar o acordo, o temor é de que todo o processo seja enterrado de vez. Para os europeus, um acordo com o Mercosul é considerado como estratégico, principalmente diante do avanço chinês no comércio mundial e na América Latina.

"Acordo mais rapidamente possível"

Josep Borell, o chefe da diplomacia da UE, também sinalizou que o bloco não pretende acabar com o processo negociador. "A UE felicita Javier Milei por sua eleição como Presidente da Argentina", afirmou. "O povo argentino votou em eleições democráticas, pacíficas e ordeiras, que ocorreram no ano em que o país comemora 40 anos de democracia", disse.

"A UE e a Argentina construíram um relacionamento estreito, construtivo e abrangente nas últimas décadas, com base em valores comuns", disse.

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Borell, porém, deixou claro que quer um acordo com o Mercosul "o mais rápido possível".

"O novo governo da Argentina, que assume o cargo em circunstâncias econômicas desafiadoras, pode contar com a UE para fortalecer ainda mais nossa parceria, a fim de obter resultados positivos para nossas sociedades, inclusive com a finalização, o mais rápido possível, das negociações sobre o Acordo de Associação UE-Mercosul", disse.

"A Argentina é um importante ator global e a UE espera trabalhar com o novo governo para enfrentar os desafios globais", completou.

Acordo depende de questão ambiental

Depois de 20 anos de negociações, o governo de Jair Bolsonaro fechou o acordo com a UE em 2019. Havia pressa naquele momento, tanto por ele quanto por parte da Argentina. Mas o processo de ratificação foi congelado, diante da resistência dos europeus diante das políticas ambientais do ex-presidente brasileiro.

Com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, o acordo foi retomado e a meta dos negociadores era a de fechar um entendimento até meados de 2023.

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Mas, para a surpresa do Brasil, os europeus apresentaram uma proposta considerada como inaceitável, criando exigências ambientais. O processo acabou atrasando e, apenas em outubro, a negociação foi retomada.

A proposta feita pelo Brasil para fechar um acordo comercial com a União Europeia prevê a criação de um fundo de 12 bilhões de euros para ajudar os países do Mercosul a implementar políticas ambientais e de redução de desmatamento. O texto do projeto, que vinha sendo mantido em sigilo, foi obtido com exclusividade pelo UOL.

O documento ainda retira ameaças e suspeitas feitas pela Europa em termos ambientais e propõe que os dois blocos se comprometam a não usar as questões de desmatamento como justificativa para tarifas comerciais.

Nela, a UE previa a suspensão de acesso ao mercado europeu caso o Brasil não cumprisse suas exigências sobre desmatamento e o Acordo Climático de Paris.

Na nova versão enviada pelo Brasil aos europeus — e que está sendo negociada —, o Mercosul apresenta um caminho radicalmente diferente. A ideia é a de sugerir "uma abordagem cooperativa".

No lugar de sanções, o Itamaraty inverte a lógica da desconfiança e pede a ajuda da Europa para cumprir as metas ambientais. No texto proposto, portanto, os governos "reconhecem a necessidade de apoiar e auxiliar os países do Mercosul a garantir que os requisitos de importação adotados pela UE não prejudiquem suas oportunidades em termos de acesso ao mercado".

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Segundo a proposta, as ações devem incluir os recursos financeiros e programas de capacitação para apoiar os países do Mercosul. O projeto ainda sugere que os governos europeus ajudem a pagar pela conservação das florestas na América do Sul.

Protecionismo

Um dos pontos centrais do texto do Mercosul é o de impedir que questões ambientais ou trabalhistas se transformem em justificativas para barreiras comerciais. Assim, o texto afirma que os dois blocos "são da opinião de que as medidas protecionistas que são inconsistentes com as regras da OMC não oferecem soluções para enfrentar esses desafios, dado seu impacto prejudicial sobre as economias nacionais e, em última análise, para a obtenção do desenvolvimento sustentável".

O texto ainda defende um "sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório" e que será isso que "levará ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentáveis, permitindo particularmente que os países do Mercosul enfrentem melhor os efeitos adversos da mudança climática".

Os governos se comprometem a "melhorar suas leis e políticas relevantes de modo a garantir níveis altos e eficazes de proteção ambiental e trabalhista". O texto ainda sugere que os governos se comprometam "a não enfraquecer os níveis de proteção proporcionados pela legislação ambiental ou trabalhista nacional com a intenção de incentivar o comércio ou o investimento".

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