Jamil Chade

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Especialistas da ONU criticam ausência de negras no Judiciário brasileiro

Especialistas da ONU pedem que o governo brasileiro coloque fim à violência "brutal" de policiais contra negros e que leve às cortes os autores de crimes. Essa é a principal recomendação da missão internacional que visitou o Brasil nos últimos 12 dias e que, nesta sexta-feira, apresentou suas conclusões preliminares.

O Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promoção de Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei chegou ao país no último dia 27 de novembro e fez reuniões em Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. Um relatório completo será apresentado na sessão do Conselho de Direitos Humanos, em setembro de 2024.

Para os especialistas, há um aspecto positivo no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que é o reconhecimento da existência de um racismo estrutural no país. "Mas muito mais precisa ser feito", alertam. Para eles, o Brasil enfrenta "sérios problemas" diante dessa realidade.

De acordo com o grupo, o racismo no país é "endêmico e sistêmico", traduzido de forma profunda em leis e práticas que, por sua vez, perpetuam a discriminação. Isso, de forma clara, se traduz na atuação policial e da Justiça.

Na avaliação do mecanismo, faltam mulheres negras em posições de autoridade, principalmente no Judiciário.

Questionada sobre a ausência de mulheres negras no STF, Tracie Keesee, integrante do Mecanismo de Especialistas, apontou que esse é um aspecto que deve ser tratado. Para ela, "é importante" ter uma mulher negra na corte máxima do país, inclusive para que essa parcela da população se veja representada.

Ela, porém, aponta que lutar contra o racismo é "responsabilidade de todos".

O mecanismo foi criado depois da morte de George Floyd, nos EUA, por um policial. Naquele momento, o então governo de Jair Bolsonaro tentou minar a resolução no Conselho de Direitos Humanos, que votava a instalação da iniciativa. Bolsonaro também mostrava simpatia à postura do então governo de Donald Trump, nos EUA.

Agora, entre os casos avaliados estão as operações policiais no Jacarezinho (maio de 2021) e na Vila Cruzeiro (maio de 2022 e agosto de 2023), além da Operação Escudo na Baixada Santista (SP, em agosto de 2023) e a Operação Salvador no estado da Bahia (julho-setembro de 2023).

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Além de encontros com autoridades, eles estiveram com familiares de vítimas, policiais, órgãos de fiscalização interna e oficiais do sistema prisional.

Para o grupo, o governo vem adotando "algumas práticas positivas" para garantir os direitos humanos da população afrodescendente, como o reconhecimento da existência de racismo sistêmico e a determinação de implementação de cotas para o aumento da representação desta população em todos os níveis e esferas do governo.

Mas, numa nota publicada nesta sexta-feira, o grupo alerta que "os testemunhos dolorosos que ouvimos de familiares das vítimas da brutalidade policial, agravados pelos atrasos angustiantes do sistema de justiça, ressaltam a necessidade urgente de responsabilização", disse Juan Mendez, membro do Mecanismo de Especialistas.

"Justiça atrasada é justiça negada, e o Estado deve abordar essas questões de forma célere e transparente, garantindo que a justiça prevaleça", disse.

Durante a viagem, mais de uma centena de testemunhos foram ouvidos. Os especialistas "ouviram histórias sobre maridos, filhos, irmãos e sobrinhos executados a sangue-frio por policiais, e alegações quanto a um padrão sistêmico de plantar provas - incluindo armas de fogo e drogas ilícitas - em cenas do crime para culpabilizar as vítimas e justificar seus assassinatos".

Vítimas ameaçadas

"Em sua busca incessante pela justiça, vítimas e familiares têm que enfrentar ameaças, intimidações, represálias e estigmatização. É crucial que este ciclo chegue ao fim", disse Tracie Keesee, integrante do Mecanismo de Especialistas.

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"A garantia do acesso adequado à justiça e a responsabilização dos perpetradores em toda a cadeia de comando são de extrema importância", alertou.

A missão admitiu que as taxas de criminalidade no Brasil permanecem elevadas. Isso seria decorrência do aumento da atividade do crime organizado, o que também afeta a população afrodescendente. O grupo também reconheceu a dimensão do desafio que o governo enfrenta para garantir a segurança pública.

"No entanto, a tarefa legítima de promover a segurança de cidadãos e cidadãs nunca deve ser interpretada como uma justificativa para execuções extrajudiciais de pessoas afro-brasileiras", alerta Mendez, que ainda defende que haja maior apoio a policiais, principalmente na questão da saúde mental e no bem-estar de seus familiares.

"O cuidado com o seu bem-estar e suas condições de trabalho não apenas melhora seu desempenho, mas também contribui para os esforços coletivos por uma sociedade justa e igualitária", afirmam.

"Apelamos por uma mudança transformadora em todo o sistema. O Governo Brasileiro deve reavaliar os procedimentos atuais de investigação da má conduta policial, desmantelar as desigualdades raciais sistêmicas e investir na abordagem direta das disparidades históricas que residem na raiz dessas questões", disse Mendez.

É imperativo que seja renovado um compromisso financeiro e estrutural para a implementação das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos relativas à ação policial nas favelas. Tratar das questões que afetam pessoas afrodescendentes de forma específica é indispensável para demonstrar uma dedicação sincera à solução desses desafios antigos."

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