Jamil Chade

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Sem dinheiro, ONU congela contratações, fecha escritórios e corta programas

Atolada por demandas dos quatro cantos do mundo e incapaz de encontrar novas formas de arrecadação, a ONU começa 2024 com uma severa crise financeira. Documentos obtidos pelo UOL revelam que a entidade congelou contratações, ampliou o fechamento de seus escritórios e pediu que os diversos departamentos apertassem os cintos, com cortes de gastos para diferentes programas.

A ONU é financiada pela contribuição dos estados. Mas com guerras que se acumulam, crises humanitárias e um número inédito de refugiados, a pressão pela atuação da agência internacional passou a ser intensa. Se não bastasse, a dívida crônica mantida pelo governo dos EUA com a instituição se perpetua.

Os cortes aprofundam o que já é considerada como uma das piores crises de credibilidade da instituição, incapaz de dar respostas às guerras no Sudão, Gaza ou Ucrânia. Ainda assim, a entidade é a responsável por atender mais de 200 milhões de pessoas que, pelo mundo, dependem da assistência internacional para sobreviver.

Numa carta interna enviada a todos os diferentes departamentos, a cúpula da entidade deixou claro que a situação não era confortável.

"Apesar da menor arrecadação de contribuições nos últimos cinco anos, conseguimos garantir o pagamento ininterrupto dos salários dos funcionários e das faturas dos fornecedores. No entanto, nesse processo, é provável que terminemos o ano com nossas reservas de liquidez do orçamento ordinário em grande parte esgotadas", alertou Chandramouli Ramanathan, controlador e secretário-geral adjunto para Planejamento, Finanças e Orçamento de Programas.

Segundo ele, a ONU iniciou 2023 "com um saldo de caixa positivo de quase US$ 340 milhões. Isso nos permitiu absorver muitos dos choques de liquidez durante o ano".

"A restrição temporária de contratações desde 19 de julho e uma leve desaceleração nos gastos no último trimestre ajudaram a evitar interrupções nos pagamentos durante o ano. Gostaria de agradecer a sua colaboração nesse esforço conjunto para mitigar o impacto da liquidez na implementação do mandato", escreveu.

Mas, para o atual ano, a crise se intensifica.

"Começaremos 2024 com um déficit de caixa significativo que terá corroído a maior parte de nossas reservas de liquidez do orçamento regular", alertou. "No momento, estamos fazendo um balanço das demandas de caixa para compromissos em aberto a fim de finalizar a estratégia de gerenciamento de liquidez para as operações orçamentárias regulares de 2024, inclusive para missões políticas especiais", admitiu.

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A avaliação da cúpula da ONU aponta para duas ações altamente prováveis:

As restrições de contratação provavelmente continuarão até, pelo menos, setembro de 2024

As alocações fora do orçamento provavelmente serão reduzidas de forma muito significativa durante os primeiros 9 meses do ano.

O documento, portanto, tinha como objetivo aconselhar os chefes de sessões e programas para "exercer a máxima moderação na utilização dos fundos".

No texto, o gestor agradece às equipes por "administrar coletivamente a liquidez da Organização durante um período difícil e solicitar novamente sua compreensão e cooperação ao planejarmos a administração da liquidez para as operações de 2024". "Espero sinceramente que o Ano Novo nos traga uma boa notícia", conclui.

Reservas esgotadas

Essa foi a terceira carta enviada pelo controlador em apenas seis meses. Em julho, ele havia alertado que sobre a "deterioração da situação de liquidez do orçamento regular que exige restrições temporárias de contratação e gastos para evitar uma interrupção, até outubro de 2023, no pagamento de salários e direitos e outras obrigações legais com terceiros".

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"Esperamos que a situação possa ser evitada e estamos em contato constante com os Estados Membros que ainda não pagaram suas contribuições integralmente", disse o controlador. Mas admitiu que, "infelizmente, a situação de liquidez se deteriorou rapidamente no segundo trimestre" de 2023.

Segundo ele, a situação de liquidez depende, em grande parte, do cumprimento pontual e integral das obrigações financeiras dos Estados Membros.

"No final de junho, restavam pendentes US$ 1,52 bilhão de contribuições orçamentárias regulares; para contextualizar, as contribuições de 2023 eram de US$ 2,99 bilhões, e começamos o ano com US$ 329,7 milhões em atraso", explicou.

"Com base nas entradas e saídas de caixa projetadas nesse estágio, temos um risco real de que nossas reservas de liquidez do orçamento regular se esgotem, e podemos correr o risco de até mesmo esgotar o excedente de caixa que a Assembleia Geral nos autorizou a usar excepcionalmente, se necessário", disse.

Fim de novas contratações

Naquele momento, diante da "piora da situação de liquidez e para minimizar o risco de não conseguir pagar salários ou liquidar obrigações legais quando os pagamentos se tornarem devidos por bens e serviços já entregues, o Secretário-Geral determinou a suspensão temporária das contratações para cargos financiados pelo orçamento regular, inclusive para missões políticas especiais, inicialmente até o final de setembro de 2023, e potencialmente continuando a suspensão até que a situação de liquidez melhore, esperamos que até novembro".

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Outra medida adotada foi a imposição de "bloqueios de fundos".

No dia 6 de outubro de 2023, numa outra carta, o mesmo controlador daria a notícia aos departamentos de que a crise não tinha conseguido ser contornada.

"Nossa situação de liquidez não melhorou. No final de setembro, as arrecadações estavam aquém das estimativas em US$ 216 milhões", alertou.

"Coletamos apenas cerca de 64% das avaliações do ano, a menor nos últimos cinco anos, apesar de mais Estados Membros pagarem integralmente", disse.

"Com base nas entradas e saídas de caixa projetadas e saídas projetadas neste estágio, corremos o risco de esgotar nossas reservas regulares de liquidez orçamentária. Portanto, a suspensão temporária das contratações continuará até que a situação de liquidez melhore este ano", concluiu.

Em Genebra, ONU é fechada para economizar recursos e desliga aquecimento

Mas, nos primeiros dias de 2024, a realidade confirma a preocupação do controlador. Numa mensagem enviada nesta quinta-feira a todos os funcionário, direção anuncia que vai manter fechada a sede da ONU em Genebra por um período além do previsto.

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No final de 2023, a entidade indicou que sua sede estaria fechada a partir do dia 20 de dezembro, com o prédio sem receber funcionários até o dia 7 de janeiro de 2024. Agora, porém, a medida foi ampliada até dia 15 de janeiro.

Com vários escritórios ao redor do mundo, a sede de Genebra é o centro nevrálgico de todo o trabalho humanitário e de direitos humanos, enquanto as decisões políticas e o secretariado fica em Nova York. Os funcionários estão obrigados a trabalhar de casa, repetindo os modelos da pandemia da covid-19. A entidade, porém, afirma que suas operações continuarão intactas.

De fato, medidas para economizar energia começaram a ser adotadas a partir de outubro e foram justificadas como "ações para garantir a continuidade de nossas atividades obrigatórias de apoio à paz, aos direitos e ao bem-estar".
Ou seja, para garantir que houvesse dinheiro para os programas pelo mundo, a burocracia teria de ser repensada.

"Em resposta a um déficit orçamentário na ONU em Genebra, resultante dos altos preços da energia e agravado pelo impacto da atual crise de liquidez, estamos atualmente intensificando nossos esforços de conservação de energia", foi anunciado na época.

Desde 2 de outubro, foram adotadas medidas que incluíam o desligamento das escadas rolantes e a redução da iluminação externa. Em dezembro, um cartaz colocado ao lado de uma das escadas rolantes avisava a embaixadores e ministros que o desligamento ocorria "por restrições orçamentárias". "Pedimos desculpas pelo inconveniente", completava.

Apesar da necessidade de mudar a matriz energética do mundo, a ONU decidiu fechar todas as estações de recarga de carros elétricos no estacionamento, até segunda ordem. A entidade ainda anunciou que iria adiar a decisão de ligar o aquecimento do prédio. Também foi decidido que o máximo de temperatura seria de 20,5°C.

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Numa das salas, uma placa avisava aos embaixadores que a temperatura estaria mais baixa, em razão do racionamento de gastos.

Nada disso é uma surpresa para os governos. O UOL apurou que, no início de outubro, em Nova York, as autoridades da administração das Nações Unidas disseram aos delegados que a deterioração da situação de liquidez do orçamento regular da organização poderia persistir até 2024 se as taxas de cobrança de contribuições não pagas pelos governos não aumentassem.

Catherine Pollard, subsecretária-geral de Estratégia de Gestão, Política e Conformidade, disse que a taxa de cobrança defasada levou o secretário-geral a impor restrições temporárias de contratação este ano.

Naquele momento, os Estados Unidos eram responsáveis pela maior parte das cotas do orçamento ordinário não pagas, devendo US$ 930 milhões em 30 de setembro de 2023, em comparação com US$ 915 milhões em 30 de setembro de 2022. A China veio em seguida, devendo US$ 246 milhões no final de setembro. Em 2022, ela não tinha qualquer dívida com a ONU.

Também foram registradas dificuldades com as Operações de Manutenção da Paz. De acordo com a ONU, o total de pagamentos e créditos nos últimos quatro anos fiscais variou de US$ 2,6 bilhões a US$ 3,7 bilhões, resultando em contribuições não pagas, como uma porcentagem das avaliações, de 63% a 87%.

"A menos que essa tendência seja revertida pelos Estados-membros que fazem pagamentos integrais e pontuais, os atuais problemas de liquidez enfrentados pelas operações de manutenção da paz continuarão e afetarão o reembolso dos países contribuintes de tropas e policiais", completou.

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