Jamil Chade

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Violência no campo leva Brasil ao banco dos réus de corte internacional

O Brasil vai ao banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acusado em dois casos de assassinatos de trabalhadores rurais. Nesta semana, em San José da Costa Rica, a corte regional se reúne para julgar as denúncias que, segundo observadores internacionais, revelam a violência no país pelo acesso à terra.

Na quinta-feira (8), o tribunal examina o caso do assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, morto há 27 anos. Um dia depois, a mesma Corte julga a denúncia por omissão e falta de responsabilização do Estado no caso do desaparecimento forçado, em 2002, de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores rurais.

Ambos ocorreram no estado da Paraíba e foram denunciados pela Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Dignitatis, além da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz, no caso do defensor de direitos humanos.

A Corte Interamericana é um dos três tribunais regionais de proteção dos direitos humanos, conjuntamente com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. O Brasil é signatário do Pacto de São José e reconhece a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma decisão do tribunal, portanto, é vinculante.

Hoje, há onze casos brasileiros ativos na Corte Interamericana.

Hugo Belarmino de Morais, diretor da Dignitatis e coordenador do Observatório interdisciplinar e Assessoria em Conflitos Territoriais, aponta que os casos demonstram que "não são apenas as lideranças e defensores de direitos humanos que são mortos".

"No campo brasileiro, há um padrão estrutural de violência direcionado a todos aqueles que lutam pelo acesso à terra e aos territórios e por políticas públicas para os camponeses e camponesas. Nossa expectativa é de que as famílias sejam reparadas e que o Estado crie mecanismos e políticas para a garantia de direitos para as populações do campo", afirma.

O que dizem as denúncias

No caso de Manoel Luiz, o trabalhador rural foi baleado em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, na Paraíba, quando passava por uma estrada, ao lado de outros três trabalhadores rurais. Os acusados foram os seguranças particulares do proprietário da Fazenda Engenho Itaipu, Alcides Vieira de Azevedo.

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A vítima tinha 40 anos. Manoel deixou a esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos, Manoel Adelino.

A investigação, porém, foi marcada por falhas e demora. Segundo as entidades que denunciam o caso, isso "viola o direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima, além dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos".

"O assassinato de Manoel Luiz é mais um caso que integra uma longa série de violações de direitos humanos relacionados à luta pela terra no Brasil", disse Eduardo Baker, advogado e coordenador do programa de Justiça Internacional da Justiça Global.

"Agora a Corte terá a oportunidade de se pronunciar, em mais detalhes, sobre a relação entre a ausência de uma estrutura fundiária justa, a luta pela terra e a violência contra quem atua nessa luta", comenta o advogado Baker.

"O caso Manoel Luiz é a história de mais um agricultor que foi covardemente assassinado", denuncia João Muniz, agente da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba.

"Ele saiu do acampamento e foi em uma barraca comprar alimentos para o pessoal junto com outros companheiros. Na volta, o acampamento estava cercado por capangas. Alguns companheiros conseguiram correr, mas ele foi alvejado e faleceu no local. Teve o julgamento em que os acusados foram absolvidos", diz Muniz.

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"Os mandantes nunca foram processados, são os fazendeiros da época. Com isso, o caso foi levado para a Corte Internacional, porque o Estado brasileiro, mais uma vez, violou os direitos dessas famílias por não ter feito um julgamento justo nesse caso", explicou.

Caso Almir Muniz

Na sexta-feira, a mesma corte julga o Brasil pelo desaparecimento de Almir Muniz. Em 2002, o trabalhador rural e defensor de direitos humanos desapareceu no município de Itabaiana (PB).

"Sete anos depois, as investigações para apurar o seu desaparecimento foram arquivadas pelas autoridades do Estado, mesmo havendo fortes indícios de que Almir Muniz foi assassinado por um policial civil", alertam as entidades.

De acordo com elas, a vítima denunciou ameaças que vinha sofrendo; um ano antes do crime, Muniz havia alertado a Comissão Parlamentar de Investigação da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba sobre a violência rural e formação de milícias privadas.

Segundo as entidades, ele indicou "o envolvimento de agentes do Estado na violência contra os trabalhadores rurais da região".

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"O julgamento do caso Almir Muniz pela Corte Interamericana será o primeiro caso do Brasil envolvendo o desaparecimento forçado de pessoas no contexto da luta pela reforma agrária e um dos primeiros sobre essa forma de violação de direitos humanos no período pós-88", explica o advogado Baker.

"Esperamos que a Corte trate da persistência dessa prática no período pós-ditadura, conectando-a com o contexto da realidade fundiária no Brasil. Também será uma oportunidade de o tribunal avançar na sua jurisprudência sobre o desaparecimento forçado em casos que envolvem a omissão e conivência estatal, ao invés de atuação direta de seus agentes", analisa o advogado.

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