Jamil Chade

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Reportagem

Brasil chama ação de Israel de 'imoral' e mantém dinheiro para ONU em Gaza

Em passagem pela Cisjordânia, o chanceler Mauro Vieira afirmou hoje que as ações de Israel em Gaza são "imorais e ilegais". O ministro do governo Lula ainda criticou a falta de uma resposta por parte da comunidade internacional e anunciou que o Brasil continuará a dar recursos para a Agência da ONU para os Refugiados Palestinos.

A fala ocorre num momento de crise entre Brasil e Israel, que declarou Lula como "persona non grata".

Vou dizer de forma alta e clara: é ilegal e imoral impedir pessoas de ter acesso à comida e água. É ilegal e imoral atacar operações humanitárias e quem está buscando ajuda. É ilegal e imoral impedir os doentes e feridos de assistência de saúde. É ilegal e imoral destruir hospitais, locais sagrados, cemitérios e abrigos.
Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores

Para o chanceler brasileiro, usar a fome como arma de guerra é uma "punição coletiva".

Vieira representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa cerimônia na qual o brasileiro era anunciado como membro de honra da Fundação Yasser Arafat. Durante o evento, no qual foi aplaudido de pé, Mauro Vieira elogiou o ex-líder palestino por sua "devoção, moderação e persistência".

O chanceler, que não incluiu Israel em sua turnê pelo Oriente Médio, alertou no discurso que as mortes e destruição em Gaza "não serão esquecidas" e as imagens que circulam da crise humanitária "não desaparecerão". Para ele, as imagens de crianças esqueléticas vão "atormentar" a comunidade internacional "por gerações".

"Todas as linhas vermelhas de nossa humanidade compartilhada foram cruzadas", insistiu.

Críticas ao veto dos EUA

Parte do discurso ainda foi direcionado contra as potências que, ao longo dos últimos meses, têm impedido a aprovação de uma resolução na ONU por um cessar-fogo.

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Vieira alertou que, se a resolução que o Brasil sugeriu ao Conselho de Segurança da ONU tivesse sido aprovada, milhares de vidas poderiam ter sido salvas. Naquele momento, o veto do governo americano impediu sua aprovação.

"O veto não veio sem custos", disse. Naquele momento, em 18 de outubro de 2023, eram 3,2 mil mortes. "Hoje, são mais de 31 mil", alertou.

"A credibilidade do atual sistema de governança internacional está sob os escombros de Gaza", disse.

Brasil vai liderar ação para admissão da Palestina na ONU

Durante a viagem, ficou ainda estabelecido que o governo Lula será um dos líderes na campanha para conseguir que a Palestina seja admitida como membro pleno das Nações Unidas. O entendimento foi fechado numa reunião neste domingo entre os chanceleres Mauro Vieira, do Brasil, e o palestino Riyad Al Maliki.

Em seu discurso, chefe da diplomacia brasileira também tocou no assunto: "Não existe motivo para que a Palestina não seja um membro pleno da ONU". Ele ainda defendeu um acordo de paz que preveja dois estados, "vivendo lado a lado em segurança e paz, com fronteiras mutuamente aceitas e reconhecidas internacionalmente".

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Em 2012, a Assembleia Geral da ONU votou para dar aos palestinos o status de membro observador na organização, o que permite que seus diplomatas participem dos debates, mas sem direito a voto. Naquele momento, apenas nove países votaram contra, entre eles EUA e Israel.

As autoridades palestinas querem lançar um pedido formal para a adesão completa às Nações Unidas ainda em 2024, principalmente diante do risco de que a guerra em Gaza abra caminho para novas invasões de terras por parte de israelenses. Só na Cisjordânia, mais de 700 checkpoints existem hoje, ampliando a tensão e o controle sobre as cidades palestinas.

Os palestinos admitem que o veto americano no Conselho de Segurança pode ser o maior obstáculo. Para fazer parte da campanha, agora contam com a adesão do Brasil.

Para o Itamaraty, a adesão como membro pleno é um passo importante para a garantia de que um acordo de paz estabeleça de forma explícita a criação de dois estados - palestino e israelense -, com suas fronteiras reconhecidas internacionalmente.

Al Maliki deve ir em breve ao Brasil para detalhar a forma pela qual a campanha na ONU pode ocorrer.

No encontro neste domingo, segundo o Itamaraty, "ele descreveu a extrema gravidade da situação humanitária em Gaza e destacou o papel corajoso do presidente Lula em defesa da Palestina e dos palestinos". Segundo Maliki, Lula "mostrou liderança, coragem, compromisso e humanismo ao longo da atual crise em Gaza e falou de forma "forte e clara", ao descrever "a situação como ela é".

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As declarações do presidente brasileiro causaram indignação por parte de Israel e foram criticadas também por uma ala das forças políticas no Brasil.

"Para o chanceler palestino, que manifestou grave preocupação com os riscos de uma iminente ação militar em Rafah, o presidente brasileiro tem sido um dos poucos líderes mundiais a agir em defesa dos civis desde a primeira hora e a ter a coragem de 'dizer as palavras certas na hora certa'", diz.

Maliki relatou também um crescente aumento da violência de colonos israelenses contra palestinos na Cisjordânia. "Durante a reunião, Mauro Vieira reiterou a plena disposição brasileira em liderar esforço pela admissão da Palestina como membro pleno da ONU", completou o Itamaraty.

Brasil vai dar dinheiro para agência da ONU em Gaza

O governo brasileiro ainda indicou que vai continuar financiando a Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA), depois da polêmica aberta pelas acusações de Israel que visava fechar a entidade.

Israel acusou doze funcionários dos mais de 10 mil membros da agência de terem participado dos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023. Como resultado, 16 dos maiores financiadores retiraram ou congelaram os repasses para a UNRWA, deixando a operação humanitária numa situação crítica.

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A ONU demitiu os funcionários e abriu um inquérito, o que levou os governos europeus e o Canadá a voltar a fazer os repasses. Os EUA, país maior doador da agência, continuam bloqueando o financiamento.

Em seu discurso, Mauro Vieira aplaudiu a decisão da ONU de investigar os funcionários. Mas alertou que nada disso poderia impedir o apoio aos palestinos. Segundo ele, dar recursos está "em linha" com a decisão da Corte Internacional de Justiça que ordenou que todas as medidas fossem tomadas para evitar um genocídio em Gaza.

"O Brasil vai continuar a contribuir para o trabalho da agência", disse o chanceler. "O Brasil também irá continuar a fazer suas contribuições regulares para a organização", afirmou.

A contribuição brasileira é modesta, de apenas US$ 75 mil (R$ 375 mil) por ano. Mas a manutenção do envio do dinheiro é considerado como um gesto político. De acordo com fontes diplomáticas, o valor deve ser repetido em 2024. "Este é o momento em que os palestinos mais precisam do trabalho valoroso da UNRWA", disse.

O Brasil é o único país latino-americano no conselho da agência da ONU e sua contribuição foi muito maior no passado. Em 2023, o embaixador Celso Amorim indicou que o país faria uma contribuição, mas não havia indicado o valor.

Lula é nomeado membro honorário de Fundação Yasser Arafat

A sinalização do governo brasileiro ocorre no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é escolhido como membro honorário do conselho de Curadores da Fundação Yasser Arafat, entidade que tem como objetivo preservar o legado do líder palestino e contribuir para a "unidade" entre os palestinos. A entidade é hoje liderada por Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina. O gesto dos palestinos é um reconhecimento ao brasileiro pela defesa da causa palestina.

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Ao receber a homenagem em nome de Lula, o chanceler insistiu que o brasileiro continuará a apostar na diplomacia para buscar uma forma de chegar a um cessar-fogo.

Chanceler pede cessar-fogo em roteiro que não inclui Israel

A viagem de Mauro Vieira pelo Oriente Médio marca seu primeiro périplo pela região. O chanceler esteve na Jordânia e ainda visitará o Líbano e Arábia Saudita.

No centro da pauta está a tradicional defesa por parte do Brasil da criação de dois Estados como solução para a crise entre palestinos e israelenses. Mas a viagem não incluirá Israel no roteiro.

Diplomatas explicaram que o chanceler cumpre uma viagem com base em convites que tinham sido feitos a ele por esses governos, antes mesmo da eclosão da crise entre Israel e Brasil. Não havia um convite do governo de Benjamin Netanyahu para uma visita do chanceler brasileiro.

Os dois países vivem um momento de distanciamento, desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva citou a Alemanha nazista em uma fala sobre a situação de Gaza. Como resposta, o governo de Israel declarou o brasileiro como "persona non grata" e o Brasil retirou seu embaixador de Tel Aviv.

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