Jamil Chade

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Emocionada, Anielle evoca Marielle na ONU e propõe tratado de igualdade

Num discurso emocionado e no qual evocou Marielle Franco, a ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, defendeu na ONU a criação de uma declaração universal dos direitos humanos dos afrodescendentes, um pacto de igualdade racial e a adoção de uma nova década internacional dedicada à luta contra o racismo e desigualdade.

A ministra falou nesta terça-feira na abertura do Fórum Permanente Mundial Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, o maior evento anual sobre a questão racial. Ao lado dos EUA, o governo brasileiro assumirá a liderança dos debates e das negociações para a criação da declaração que terá o peso de um tratado internacional.

Ao UOL, Anielle Franco afirmou que o trabalho do governo será o de colocar o Brasil num compromisso de nível máximo para viabilizar a proclamação de uma segunda Década Internacional de Pessoas Afrodescendentes, para o período de 2025-2034.

A ministra, em seu discurso, admitiu que o Brasil "ainda enfrenta as causas e consequências persistentes do racismo e da discriminação estrutural e sistêmica, refletida na precarização da vida das maiorias".

Mas insistiu que o país "se ergue com coragem para acelerar os avanços orientados à cidadania plena de toda a população, o que só é possível com igualdade e justiça para os povos afrodescendentes. Por tudo isso, nos disponibilizamos em nível máximo a viabilizar, com a força da união das nações, a proclamação de uma segunda Década Internacional de Pessoas Afrodescendentes, para o período de 2025-2034", afirmou, gerando aplausos da sala da ONU.

Para o governo brasileiro, trata-se do "caminho mais concreto para garantir a continuidade e o aprofundamento de medidas nacionais, regionais e internacionais pelos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos de pessoas afrodescendentes".

A proposta do Brasil é de que essa segunda década deve se constituir num "pacto global pela igualdade étnico-racial e na elaboração da Declaração Universal sobre Direitos Humanos de Afrodescendentes, com força de Tratado Internacional".

"Precisamos nos envolver, de maneira ampla, democrática, somando a representação de líderes dos países, dos diversos setores da sociedade e dos movimentos negros auto-organizados, empresas públicas e privadas, academia, todos pela eliminação das desigualdades sociais, inclusão e combate ao racismo estrutural", propôs.

Anielle ainda defendeu a inclusão da sociedade civil brasileira na criação de um grupo de organizações negras da sociedade civil junto à ONU.

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"Este não é um tema que diz respeito exclusivamente aos Estados integrantes da ONU, é uma causa da humanidade", insistiu.

"Ser livre, disse uma vez Nelson Mandela 'não é apenas o ato de quebrar uma das correntes, mas viver de uma forma que respeite e aumente a liberdade dos outros'. Nenhum país será livre enquanto todos não o forem", afirmou.

Sem conseguir conter as lágrimas, a ministra ainda defendeu o fortalecimento da memória, a história, a cultura e o "orgulho da população que movimenta o mundo há séculos é o caminho para desenvolvermos coletivamente a justiça, a igualdade e a democracia em sua máxima plenitude".

"Que venha a segunda década afrodescendente", disse. E evocou sua irmã, assassinada há seis anos: "Marielle Presente".

Parte de seu discurso ainda era direcionado para credenciar o Brasil como um ator no debate sobre o combate ao racismo e aproximá-lo à agenda africana. Para isso, ela argumentou que o Brasil é:

  • O país com a maior população afrodescendente fora da África - hoje somando mais de 55% da população;
  • O país com mais de duas décadas de institucionalização da responsabilidade do Estado no combate ao racismo, a partir da criação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, consequência direta da Conferência de Durban, marco incontestável da luta antirracista global;
  • O país que anunciou a criação voluntária do 18º Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS 18), o da igualdade étnico-racial, meta do Estado brasileiro em tomar medidas para eliminação da discriminação racial no trabalho; ações por reparação, memória, verdade e justiça; habitação e saúde;
  • O país que liderou o ingresso da União Africana para membro permanente do G20, "um movimento democratizador das forças políticas e das relações econômicas mundiais".
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Anielle foi aplaudida quando afirmou que, a partir da iniciativa, a União Africana agora possui o mesmo estatuto que a União Europeia, até então o único bloco regional com membros de pleno direito no Grupo. "O continente africano desempenha um papel central na história da humanidade, com relevância expressiva também no comércio global. O G20 se qualifica com a chegada da União Africana", disse.

De forma declarada, o governo Lula vai usar a ONU nesta semana como palco para um reposicionamento de seu perfil internacional e assumir a identidade afro como parte da cultura, estratégia diplomática e de políticas sociais.

O reposicionamento não é apenas simbólico. No aspecto diplomático, a iniciativa interessa ao governo que tenta, depois de seis anos de ausência na África, retomar seu protagonismo no continente e ampliar as alianças. Isso inclui um reforço da cooperação com os países da CPLP e Caribe. Dentro do Itamaraty, porém, vozes críticas alertam que, apesar das boas intenções e de uma mudança no diálogo, a estratégia diplomática para a África é ainda uma incógnita.

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