Jamil Chade

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Reportagem

Brasil trabalhará com Portugal para adotar medidas concretas de reparação

O governo brasileiro já entrou em contato com Portugal para debater formas de transformar o reconhecimento pelos crimes cometidos durante a escravidão em ações concretas de reparação. A informação foi dada pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

Segundo a ministra do governo Lula, a declaração do chefe de Estado português é "realmente importante e contundente".

Pela primeira vez estamos fazendo um debate desta dimensão em nível internacional.
Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco

Anielle destacou que a reação portuguesa é "fruto de séculos de cobranças da população negra". O gesto do presidente português ainda ocorre uma semana depois da reunião do Fórum de Afrodescendentes na ONU, em Genebra.

"Esse tema foi central, e muitas organizações do movimento negro cobraram uma posição mais firme de Portugal, justamente sobre esse tema", disse.

Segundo ela, a declaração do presidente de Portugal "deve vir seguida de ações concretas". Sua avaliação é de que o país europeu se comprometeu a seguir esse caminho.

"Nossa equipe já está em contato com o governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e quais passos serão tomados", explicou.

Chanceler viaja para Portugal e movimento cobra na ONU reparações

A declaração ainda ocorre às vésperas da chegada do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, em Lisboa. Nesta quinta-feira, ele participa das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. A esperança dos portugueses, porém, era de que a data marcasse uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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A postura do governo português ocorre uma semana depois que entidades de mulheres negras do Brasil cobraram do país europeu a responsabilização por séculos de escravidão e pedem que Lisboa se comprometa com ações de reparação.

O Instituto Marielle Franco, o Odara - Instituto da Mulher Negra, as Redes da Maré, o Fundo Agbara, os Movimento Mulheres Negras Decidem e o Observatório da Branquitude protestaram contra a diplomacia portuguesa e manifestaram a "profunda irresignação diante da ausência absoluta de posicionamento da República Portuguesa a respeito de medidas concretas de reparação à população negra brasileira pelos danos profundos causados pela escravização e o tráfico transatlântico, graves crimes contra a humanidade".

A declaração havia sido emitida depois que o governo de Portugal, durante os debates na ONU, fez um discurso de combate ao racismo. Mas não assumiu qualquer compromisso e nem ofereceu medidas de reparação diante da escravidão.

Segundo a delegação portuguesa, o combate ao racismo é uma prioridade no país. Portugal admitiu que esse fenômeno "tem uma história". Mas, naquele momento, se limitou a dizer que se trata de uma "história do comércio transatlântico de escravos, que acreditamos ter constituído um crime contra a humanidade e a história do colonialismo".

A diplomacia portuguesa admitiu a "importância de olhar para o passado e processos de reconciliação". Mas insistiu que tem os "olhos no futuro" para "soluções concretas" para que os afrodescendentes tenham seus direitos respeitados.

Diante da fala, a reação das mulheres negras brasileiras foi quase imediata. "Durante o período de vigência do sistema escravocrata português, mais de um milhão de pessoas foram sequestradas de diferentes partes do continente africano, sendo imediatamente submetidas a diferentes formas de discriminação e violência", disseram as entidades.

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"Hoje, a população negra brasileira conforma a maior população negra em diáspora justamente por conta desse processo. Mesmo após a abolição formal da escravatura, em 13 de maio de 1888, a população negra segue profundamente estigmatizada e negada de exercer plenamente diversos de seus direitos mais fundamentais", afirmam.

Segundo elas, a expansão portuguesa "é indissociável da escravatura". "É fundamental que Portugal - Estado que se beneficiou social, econômica, política e culturalmente de um sistema colonial de poder e da exploração negra - se responsabilize e ofereça respostas efetivas voltadas à memória, verdade, justiça, reparação e não repetição", defenderam.

Durante o evento, as entidades apresentaram as seguintes demandas ao Estado português:

  • Adotar medidas reparatórias concretas e intersetoriais em resposta aos impactos estruturais do colonialismo, da escravatura e do tráfico transatlântico para a realidade brasileira, incluindo a criação de museus, centros de memórias e outros equipamentos públicos que reconheçam os impactos da colonização sobre a população afro-brasileira;
  • Incluir no currículo oficial da Rede de Ensino portuguesa a obrigatoriedade da temática "História dos Impactos Nocivos do Colonialismo Português para o Contexto Brasileiro";
  • Comprometer-se publicamente com a adoção dessas medidas;
  • Firmar pactos e acordos de colaboração efetivos com o Brasil - bem como junto a outros países que foram colonizados por Portugal - com o objetivo de promover a reparação a partir de investimentos financeiros, da salvaguarda de memórias e de revisão dos pactos e parcerias de nacionalidade e trânsito entre os países;
  • Encorajar todos os países da Europa fundados a partir de sistemas coloniais a adotar medidas reparatórias aos países do Sul Global que se fundaram a partir da exploração colonial;
  • Adotar medidas efetivas de combate à xenofobia e ao racismo contra a população afrodescendente em Portugal.

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