Jamil Chade

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Reportagem

Governo Lula é questionado na ONU por fragilidade em política para mulheres

Peritas da ONU alertam sobre as fragilidades das políticas de defesa da mulher no Brasil. Nesta quinta-feira, pela primeira vez em doze anos, o país está sendo examinado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). A partir da sessão, o órgão internacional apresentará recomendações ao Brasil.

A delegação nacional é liderada pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves. Ela tentou mostrar às especialistas os esforços do governo Lula para tentar recuperar programas e recursos para lidar com a violência de gênero, depois de um período de desmonte.

Como carro-chefe, a ministra destacou a Lei da Igualdade Salarial e Remuneratória entre Mulheres e Homens, aprovada pelo governo.

Mas a reunião revelou a preocupação das especialistas em relação à capacidade da administração federal de implementar, de fato, seus compromissos políticos por uma melhoria na situação das mulheres.

Muitas das peritas concordaram sobre a dificuldade de dar respostas após o desmonte do que ocorreu nas políticas de direitos humanos no Brasil nos últimos anos. Contudo, o alerta também foi direcionado sobre a estrutura montada no governo Lula, oferecendo recursos para uma retomada da defesa dos direitos das mulheres.

"Fraqueza do orçamento" para mulheres

Nicole Ameline, especialista francesa, contou sobre um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que estava esperançosa em relação ao seu compromisso com a pauta das mulheres. Mas, ao ver os recursos destinados para o Ministério das Mulheres, ficou "impressionada pela fraqueza do orçamento", principalmente diante dos desafios do país.

Outra integrante do Comitê, Esther Eghobamien-Mshelia questionou se a pasta tem mesmo a estrutura necessária para lidar com o tema e questionou qual o tamanho dos recursos em comparação ao orçamento total do governo federal.

Ela apresentou outra questão: "Qual é a autoridade que o ministério tem para determinar políticas e garantir que os demais cumpram padrões?".

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No mesmo sentido, a especialista espanhola Ana Pelaez indagou qual é o poder da pasta das Mulheres quando uma diretriz não é cumprida por parte de outro setor da administração.

A perita Rangita de Silva de Alwis questionou como a pasta está garantindo a proteção às mulheres ativistas, enquanto a integrante Rosario Manalo alertou para a baixa participação política das mulheres brasileiras.

Genoveva Tisheva, outra especialista do Comitê, também soou o alerta sobre o que ela chamou de "estagnação" da participação política das mulheres no Brasil.

Ministra admite que precisa de mais dinheiro

Em sua apresentação ao comitê, a ministra Cida Gonçalves afirmou que recebeu sua pasta praticamente esvaziada.

"Em janeiro de 2023, após seis anos de retrocesso na execução das políticas públicas para as mulheres, desde a interrupção misógina do mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou pela primeira vez na história do país um Ministério das Mulheres", disse.

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Segundo ela, em 2015, o Projeto de Lei Orçamentária Anual era de R$ 236 milhões para serem executados pela então Secretaria de Políticas para as Mulheres. Em 2023, foram deixados para o governo eleito somente R$ 23 milhões.

Ao UOL, ela explicou que, desse total, R$ 11 milhões ainda iriam para a administração da pasta. Mas destacou a tentativa de restabelecer o orçamento.

"Por meio de esforços conjuntos com o Poder Legislativo, o Poder Executivo elevou o orçamento para R$ 149 milhões. E, em 2024, o recurso foi elevado novamente, para R$ 480 milhões", disse.

Mas, ao responder às perguntas do Comitê, ela admitiu que, mesmo com o aumento do orçamento, os recursos não eram suficientes.

"Queremos mais recursos para o Ministério. Estamos fazendo essa disputa. O governo todo sabe, inclusive o presidente Lula", disse. "Não é suficiente por termos tido muitos anos de negacionismo. Por ter uma demanda reprimida", explicou.

Cida deu um exemplo concreto: quando assumiu a pasta e descobriu que tinha apenas R$ 23 milhões, entendeu que mesmo que passasse R$ 1 milhão para cada estado, sete deles ficariam sem nada. "Era inviável", lamentou.

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"Todos nós que temos história de luta sabemos que, sem orçamento, é não ter politica pública", admitiu.

"Não é suficiente o que temos", disse, destacando que sua parta conta com apenas 230 pessoas. Ela explicou que, no governo Lula, o tema da mulher é "transversal" e que todos os ministérios contam com políticas para essa população.

Menos de 500 cidades com Secretaria da Mulher

A ministra Cida também destacou que precisa de capilaridade para conseguir chegar a todos os cantos do país. Dos 5,6 mil municípios, nem 500 deles têm uma Secretaria da Mulher. "É um grande desafio", disse, numa frase que se repetiria em muitas de suas respostas.

A ministra destacou que a meta do governo é de que, até 2026, entre 1,5 mil e 2 mil cidades tenham suas Secretarias de Mulheres. "Ter normativa não quer dizer que estados e municípios vão implementar", disse.

Ela também admitiu a incapacidade do Estado de garantir o acesso à Justiça para todas as mulheres de maior vulnerabilidade. "Esse é um grande desafio para o Estado brasileiro, tanto do Judiciário como do Executivo", disse.

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Outro problema: implementar a Lei Maria da Penha. "Temos 176 juizados, em 5,6 mil municípios", admitiu Cida Gonçalves.

Mil cidades sem nenhuma vereadora

A ministra ainda reconheceu a distância que existe no Brasil para garantir uma maior participação das mulheres na vida política. Segundo ela, existem mil cidades no Brasil onde a Câmara de Vereadores não conta com uma só mulher. Em 2 mil delas, existe apenas uma eleita.

Cida Gonçalves se diz preocupada com as eleições municipais de 2024, em especial por conta da violência política contra candidatas e contra mulheres eleitas.

Reportagem

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