Jamil Chade

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Reportagem

De olho em Trump, Milei ameaça Mercosul e tenta minar influência do Brasil

O governo do argentino Javier Milei vai propor ao Mercosul que o bloco modifique duas regras fundadoras para permitir que cada um dos países da união aduaneira possa negociar acordo de livre comércio com quem desejar pelo mundo, sem ter de contar com o restante do bloco.

A medida deve ser apresentada na cúpula do Mercosul, que ocorre no final desta semana em Montevidéu. Para os argentinos, o atual modelo do bloco não atende mais a seus interesses e, em recados aos demais parceiros, alertam que estão dispostos a, até mesmo, considerar deixar o Mercosul, caso a flexibilidade não seja estabelecida.

Como uma união aduaneira, o Mercosul permite que um item americano, chinês ou europeu que entre pelo porto de Buenos Aires, Santos ou qualquer outro possa circular livremente entre os países do bloco.

Mas a condição para que isso funcione é que todos tenham a mesma tarifa alfandegária. Caso um país feche um acordo com outro mercado, de forma isolada, o risco é de que os produtos poderiam ser triangulado e acabar entrando no outro país do Mercosul que não tem o acordo com o mercado estrangeiro.

No fundo, a proposta de Milei ameaça enfraquecer o Mercosul, pelo menos da forma que foi concebido no passado.

Sob Jair Bolsonaro e Maurício Macri, Brasil e Argentina chegaram a avaliar uma proposta similar, mas a pandemia e a crise internacional impediram que o projeto fosse adiante.

Milei quer acordo com Trump

Agora, Milei quer retomar a ideia. Buenos Aires tem em mente a possibilidade que possa, assim, começar a negociar um acordo comercial com os EUA de Donald Trump, sem a participação do Brasil.

Em sua recente visita à Flórida, o governo de Milei chegou a explorar essa opção de aproximação com a equipe de Trump.

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Ainda que haja um desejo real por parte da Casa Branca de usar Milei como seu aliado sul-americano e como forma de conter uma agenda progressista na região, diplomatas alertam que o argentino pode ter suas ambições frustradas. Isso, segundo fontes, por conta do caráter protecionista do americano.

Trump, antes mesmo de tomar posse, anunciou que iria aplicar tarifas de importação contra bens do México e Canadá, seja parceiros comerciais mais próximos.

O presidente eleito também sinalizou um aumento generalizado de tarifas, inclusive contra aliados europeus.

No caso da Argentina, a equipe de Milei faz os cálculos do impacto que um acordo com Trump teria. Hoje, o fluxo comercial com os EUA soma US$ 14 bilhões, com um profundo déficit para Buenos Aires. Os americanos aparecem apenas na quarta posição entre os principais parceiros comerciais.

Mas observadores indicam que há um elemento da pauta de exportação que pode destravar um acordo entre Milei e Trump: a exportação de petróleo. O novo governo americano tem, como objetivo, reduzir sua dependência em relação ao combustível do Oriente Médio e concentrar seu abastecimento na América Latina. Nessa conta, Venezuela e Argentina podem ser fundamentais.

Impacto geopolítico

A iniciativa de Milei questiona o próprio fundamento do Mercosul. Ao permitir que cada país negocie um acordo separado, a nova regra minaria a influência do Brasil como ator central na região.

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Criado após a queda dos regimes militares, o Mercosul teve um papel estratégico para a política externa brasileira e seu esforço de se apresentar ao mundo como uma espécie de líder natural da região. Para isso, porém, precisava garantir a existência de um projeto de integração, sob regras que promoveriam a ideia de um bloco único.

Com a proposta de Milei, o Mercosul seria redefinido como projeto, com um impacto real para as ambições brasileiras.

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