Jamil Chade

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Reportagem

Temendo prisão, bolsonaristas recorrem a Trump e desinformação no exterior

Alguns dos principais aliados do ex-presidente indiciado por golpe de Estado, Jair Bolsonaro, costuram a criação de uma narrativa no exterior de que o Brasil estaria vivendo uma suposta "ditadura" e que uma perseguição estaria ocorrendo contra o movimento de extrema direita. Para isso, usam peças de desinformação e sinalizam que irão desafiar a Justiça.

A aposta declarada e nos bastidores é de que a chegada ao poder de Donald Trump, nos EUA, possa colocar pressão no Brasil e evitar um desfecho negativo para o ex-presidente e seus aliados mais próximos, depois da divulgação do relatório da PF apontando como Bolsonaro teria atuado na trama golpista no Brasil.

Nas redes sociais, em encontros com movimentos políticos no exterior e em documentos entregues às organizações internacionais, parlamentares bolsonaristas insistem em comparar a situação do ex-presidente à repressão contra líderes da oposição na Venezuela, como Maria Corina Machado.

De forma orquestrada, bolsonaristas traçam paralelos entre o Brasil e a situação na Venezuela ou na Nicarágua.

Segundo o deputado Eduardo Bolsonaro, tanto no caso brasileiro como venezuelano teria ocorrido "suspeita de fraude". Se em Caracas a denúncia procede, a afirmação sobre uma possível irregularidade no Brasil foi descartada, inclusive por órgãos internacionais.

Mas o deputado sugere que, por conta de o voto ser eletrônico, não houve como "comprovar" que a fraude tenha ocorrido.

Outra estratégia identificada por diplomatas é a tentativa de apresentar a suposta "ditadura" como algo que começa a afetar os interesses dos americanos no Brasil.

Numa carta de 14 de novembro para a presidência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quatro deputados republicanos alertam que a suspensão da plataforma X pelo STF afeta "milhões de brasileiros, assim como cidadãos americanos que moram ou fazem negócios no Brasil, e empresas americanas".

Entre os autores da carta estão os deputados Maria Elvira Salazar e Carlos Gimenez, parlamentares da Flórida conhecidos por sua retórica dura contra as esquerdas latino-americanas.

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"A vitória de Trump é uma grande derrota para as ditaduras conquistas em Cuba, Venezuela e Nicarágua. Os inimigos da liberdade não tem lugar em nosso hemisfério", disse Gimenez.

Foi ainda Salazar que sugeriu uma lei que estabeleceria a suspensão de visto para qualquer autoridade que ameace a liberdade de expressão de americanos.

Mas foram os termos usados na carta que geraram um alerta da parte do governo brasileiro sobre o risco de que a narrativa possa ganhar contornos que justificariam uma ação por parte da Casa Branca.

'Nos resta o Congresso dos EUA'

Dias depois, e já com o indiciamento do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro foi às redes sociais "denunciar" o STF e deixar explícita sua intenção de atuação. "Nos resta o Congresso dos EUA - e agora o Executivo americano", escreveu.

A aposta é de que haja um convencimento cada vez maior entre alguns dos principais aliados de Donald Trump na Câmara de Deputados e no Senado, poderes que estarão nas mãos dos republicanos a partir de 2025.

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Há duas semanas, uma comitiva de parlamentares brasileiros esteve em Washington para encontros com alguns desses deputados americanos. Agora, o indiciamento contra Bolsonaro é instrumentalizado para justificar que, de fato, há uma perseguição.

Diplomatas brasileiros que acompanham a movimentação acreditam que existe a possibilidade de que a pressão sobre a Casa Branca aumente nos próximos meses para que medidas sejam adotadas contra o Brasil.

Até mesmo ex-chanceler Ernesto Araújo, que hoje atua por uma fundação dos herdeiros político do franquismo na Espanha, também sinalizou sua esperança de que o resgate venha do novo presidente americano.

"Os manés viraram o jogo após a vitória de Trump? Quem perdeu agora?", escreveu o ex-ministro, numa referência à frase do ministro do STF, Luis Roberto Barroso, a um bolsonarista: "Perdeu, mané".

Tecla religiosa

Outro recurso que ganha força é a narrativa de que existiria uma suposta perseguição contra religiosos no Brasil, da mesma forma que ocorre na Nicarágua. No país centro-americano, Daniel Ortega expulsou padres e ampliou a repressão contra a Igreja Católica.

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Com o movimento do "nacionalismo cristão" desembarcando na Casa Branca, a narrativa passou a usar o indiciamento do religioso José Eduardo, por parte da PF.

Usando de desinformação, o próprio Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil "está cada vez mais próximo da Nicarágua de Noriega".

A deputada Bia Kicis também usou o caso de José Eduardo para denunciar uma "perseguição religiosa". "O Brasil já virou Nicarágua?", postou em suas redes sociais.

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