Jamil Chade

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Reportagem

Onda da extrema direita sacode UE e Macron anuncia dissolução de Parlamento

A Europa vive sua maior guinada à extrema direita desde a construção do projeto de integração do continente, a partir dos anos de 1950.

Os primeiros resultados parciais das eleições para o Parlamento europeu divulgadas neste domingo (9) registram um avanço significativo de partidos ultraconservadores, populistas, xenófobos e de extrema direita, principalmente na Alemanha, Holanda, Áustria, Itália e França.

A vitória geral foi das forças de centro-direita, mas foi o avanço da extrema direita que marcou o pleito.

O impacto foi de tal dimensão que levou o presidente da França, Emmanuel Macron, a anunciar a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições legislativas.

Na Bélgica, o primeiro-ministro liberal, Alexander de Croo, anunciou sua renúncia depois da divulgação dos resultados.

O terremoto já começa a ser chamado de o "momento Trump" da Europa. Se confirmado, reorganiza a própria lógica política do continente.

De uma forma geral, os primeiros resultados - ainda incompletos - indicam que:

  • a direita liderada pelo Partido Popular Europeu pode terminar o pleito com 191 assentos no Parlamento e manter a consolidada posição de maior força política do continente;
  • a extrema direita, representada por diversos partidos e movimentos, pode somar pelo menos 135 assentos, uma presença inédita desde a criação do Legislativo; Não há, porém, um acerto entre os blocos ainda.
  • a esquerda, dos Socialistas e Democratas, deve ficar com 135 assentos.

O Parlamento, que tem 720 membros, terá uma maioria de membros de centro-direita, esquerda e centro-esquerda. Mas é a chegada em massa de deputados da extrema direita que abalará a estrutura da União Europeia, seu projeto de integração e até mesmo sua posição no mundo.

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Com mais deputados que antes, a extrema direita deve influenciar a agenda das decisões da Europa, pautada agora em temas como imigração e segurança.

A força dos extremistas pode obrigar a nova composição do Parlamento a escolher comissários (uma espécie de super ministros) de grupos ultraconservadores ou pelo menos levar em consideração a voz de populistas na formulação de políticas.

Os grandes derrotados foram os partidos ecologistas. Perderam 18 lugares em comparação aos resultados de 2019 e devem ficar com 52 assentos.

Os liberais também sofreram dura derrota. Encolheram de 102 para 80 lugares no Parlamento.

O avanço da extrema direita só não foi maior por conta de resultados decepcionantes do Chega, em Portugal, e de Viktor Orban, na Hungria. Nos países escandinavos, os populistas também ficaram abaixo do esperado.

Em seu primeiro discurso após a eleição, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen disse aos membros do Partido Popular Europeu que eles protegeriam a UE contra o avanço dos populistas.

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"Ganhamos as eleições europeias. Somos o partido mais forte, somos a âncora da estabilidade. Juntamente com outros, construiremos um bastião contra os extremos da esquerda e da direita. Nós os deteremos", garantiu. Ela busca um novo mandato de cinco anos.

Ainda que por anos a direita moderada tenha se aliado à centro-esquerda para construir o que eles mesmos chamavam de "cordão sanitário" contra os ultranacionalistas, existem pressões políticas desta vez para um entendimento entre os conservadores e a extrema direita para passarem a dominar a agenda europeia.

Como foi votação em cada país

Ainda que o voto seja continental, cada país tem um número designado de assentos e realiza votações nacionais. Em alguns dos países, o avanço da extrema direita atingiu números históricos:

Na França, a extrema direita La France Revient obteve 32,4% dos votos, deixando o movimento Renaissance, de Emmanuel Macron, com apenas 15,2%. O Partido Socialista somou apenas 14,3%, segundo as estimativas. Trata-se de uma dura derrota para o governo.

O avanço político foi liderado por Jordan Bardella, de apenas 28 anos e que optou por adotar um tom menos agressivo para fazer passar as ideias da extrema direita. Seu programa, porém, continua sendo ultranacionalista, anti-imigração e com alianças com os principais nomes do populismo europeu.

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"Os eleitores mandaram um recado de que o cidadão quer uma mudança", disse Bardella. "Com esse resultado histórico, o eleitor mostrou que quer uma França soberana, sua identidade, sua segurança e prosperidade", afirmou. "Esse foi só o começo", completou.

O resultado levou Macron a admitir a derrota dos partidos pró-europeus. Sua decisão foi a de dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições legislativas para os dias 30 de junho e 7 de julho. "Não posso fazer como se não tivesse ocorrido nada", disse o presidente diante da vitória avassaladora de sua opositora Marine Le Pen.

"Esse é um momento de esclarecimentos", afirmou Macron. Para ele, a Europa vive hoje "o auge dos nacionalistas e demagogos". Seu gesto, previsto no regime democrático francês, representa uma oportunidade para que o eleitor volte às urnas para indicar suas preferências políticas diante de um abalo como o deste fim de semana.

Imediatamente, Le Pen afirmou que seu movimento está "pronto para assumir o poder", como resultado da convocação da eleição, sugerindo que passará a disputar o comando do país.

Na Itália, as primeiras projeções indicam que o partido de Giorgia Meloni saiu como o grande vencedor do pleito, somando entre 27% e 31% dos votos. A esquerda aparece em segundo lugar, com 21%. A esperança da líder do partido Irmão da Itália, herdeiros de Mussolini, é de ampliar seus poderes diante dos resultados, um ano e meio depois de chegar ao governo.

Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander de Croo afirmou que irá deixar o cargo diante da derrota. O país realizou tanto as eleições europeias como para o governo nacional, no mesmo dia. O seu partido liberal sofreu uma retração importante e, emocionado, o chefe de governo confessou ser uma "noite particularmente difícil". "Estou convencido de que precisamos de um novo governo rapidamente, com plenos poderes", acrescentou o primeiro-ministro que se manterá em funções enquanto um novo governo não for estabelecido. "O sinal dos eleitores é claro", disse.

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Na Espanha, a vitória é da direita do Partido Popular, com uma vantagem mínima em relação ao Partido Socialista. Mas o VOX, herdeiros do franquismo, chegam na terceira posição e com o dobro de assentos no Parlamento Europeu em comparação a 2019. As projeções indicam entre 6 e 7 lugares.

Na Áustria, o Partido da Liberdade - ultraconservador - deve terminar em primeiro lugar, com 27% dos votos. O resultado significa dez pontos percentuais acima da eleição de 2019 e marcaria a primeira vez que o movimento de extrema direita sairia vencedor em nível nacional.

Na Alemanha, a direita conservadora aponta para uma vitória, com a CDU projetada para ter 29,5% dos votos. Mas o maior avanço é da extrema direita, chegando em segundo lugar e obtendo, no âmbito nacional, seu melhor resultado e uma marca histórica. As projeções apontam para 16,5% para o partido Alternativa para Alemanha. Em 2019, eles tinham somado 11%,

Nem escândalos de corrupção ou revelações sobre espionagem parecem ter abalado a fidelidade do eleitorado de extrema direita. Isso significa uma derrota de grande envergadura para a centro-esquerda de Olaf Sholz. O grupo deve somar apenas 14% dos votos, um dos piores resultados do Partido Social Democrata alemão.

Outro grande derrotado é o movimento verde alemão que, depois de somar 20% dos votos em 2019, deve ficar com apenas 12% em 2024. Uma das constatações é de que o voto dos jovens, que determinou o avanço dos ecologistas na última eleição, migrou para a extrema direita.

Na Holanda, o partido de extrema direita deve terminar na segunda posição, com 17,7% dos votos. A aliança entre verdes e esquerda, porém, desponta como a vitoriosa, com 21%.

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Na Grécia, as projeções apontam para a vitória da direita, a Nova Democracia, com uma estimativa de 28% a 32% dos votos. O segundo lugar é o partido de esquerda, Syriza, com 15% a 18% dos votos.

Participação do eleitor nas urnas foi baixa. Estavam aptas para votar 360 milhões de pessoas, mas, de uma forma geral, a participação foi de cerca de 51% do eleitorado. A baixa participação revela o mal-estar em relação ao processo democrático na Europa. Na Espanha, por exemplo, apenas 38% do eleitorado compareceu às urnas.

Em locais como a França ou Itália, as urnas ainda estão abertas e os resultados apenas serão conhecidos durante a noite. Mas analistas do site Politico alertam que a Europa pode viver neste fim de semana seu "momento Trump".

Num continente que se orgulha de ter enterrado os fantasmas de Hitler, Mussolini e Franco, a ressurgência da direita radical como uma força política vem como um choque.
Análise do site Politico sobre as eleições para o Parlamento europeu

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