Religiosas criticam PL antiaborto e 'legalização do ódio contra mulher'
Mais de 150 pastoras, bispas, reverendas, teólogas e líderes comunitárias se uniram para denunciar e pedir o arquivamento definitivo do PL 1904/204, que gerou indignação e uma forte reação de parcelas da sociedade.
Numa declaração conjunta publicada nesta quarta-feira (19) e obtida pela coluna, mulheres religiosas afirmam que não consentem "que o patriarcalismo cristão sexista católico e evangélico obrigue o Estado a castigar mulheres e meninas".
Para elas, trata-se da "legalização do ódio contra mulheres que denunciam as desigualdades, o racismo, a LGBTfobia, o desprezo contra as pessoas pobres". "O PL de morte crucifica inocentes", afirmam.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, a urgência do Projeto de Lei 1904/24. O PL equipara a punição de abortos realizados após as 22 semanas de gestação em casos de estupro a pena por homicídio. Gestantes e médicos seriam punidos, com penas eventualmente superiores ao estuprador.
Com isso, a proposta pode ser analisada no plenário a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas. O autor da proposta, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem como objetivo alterar o Código Penal, que afirma desde 1940 que o aborto não é punido em casos de estupro e risco à vida da mãe. Para médicos e especialistas, a lei teria um impacto forte sobre as meninas das camadas mais vulneráveis da sociedade.
O grupo de religiosas é composto por "mulheres de fé de variadas igrejas cristãs: evangélicas, católicas romanas, batistas, episcopais anglicanas, presbiterianas, luteranas, metodistas, pentecostais", diz a carta.
O texto conta com integrantes de diversos centros religiosos e instituições, entre elas a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Metodista do Brasil, a Aliança de Negras ê Negros Evangélicos Do Brasil, a Aliança de Batistas do Brasil, Coletivo VoZes Marias, Movimento Social De Mulheres Evangélicas Do Brasil, Evangélicas pela Igualdade de Gênero e Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), entre várias outras.
"Somos mulheres líderes: bispas, pastoras, diáconas, missionárias, catequistas, religiosas consagradas, lideranças comunitárias", escrevem na declaração. "Somos as herdeiras das mulheres discípulas que sustentaram com alegria e fé o movimento de Jesus nazareno. Somos as herdeiras das primeiras testemunhas da ressurreição. Somos igualmente as herdeiras das que foram queimadas pelas fogueiras das inquisições em nome de um 'Deus Senhor' e da institucionalidade clérigo-eclesiástica", reforçam.
No documento, o grupo afirma que invoca a autoridade que lhes é conferida pelo batismo e dizem "não ao PL 1904/2024 - PL do Estupro e de todos os abusadores dos corpos sagrados das mulheres".
Alianças patriarcais entre religião e partidos
Na carta conjunta, o grupo critica as "alianças patriarcais entre religião e partidos políticos que negociam nossos direitos em troca de votos".
As mulheres religiosas também denunciam "sacerdotes, pastores e bispos que abusam de meninas, meninos e mulheres cotidianamente nas igrejas e depois as/os coagem a silenciar".
"Exigimos que o Estado, ao invés de permutar e se aliar com grupos religiosos, investigue de maneira isenta e sem exceção os religiosos abusadores", cobram.
Elas também defendem "que a laicidade do Estado se torne princípio inegociável". "Não aceitamos mais que profissionais da saúde sejam coagidos e criminalizados por homens que se valem de sua autoridade religiosa para normalizar o ódio às mulheres", apontam.
"Basta de nos estuprar, criminalizar e silenciar! Basta de dogma e doutrina religiosa no Estado", afirmam.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEis algumas das principais reivindicações do grupo:
- O arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 252.786 meninas-crianças, que foram forçadas a dar à luz entre 2010 e 2019 por terem sido abusadas por seus pais, padrastos, tios, sacerdotes, pastores, padres, missionários, primos, vizinhos, avôs, irmãos.
- O arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 179.676 meninas negras e das 8.099 meninas indígenas obrigadas a gerar outras crianças, entre 2010 e 2019, porque temos um Estado que nega a elas o direito à infância e à proteção.
- Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque não aceitamos que mulher nenhuma seja encarcerada por interromper uma gravidez. Não consentimos que o patriarcalismo cristão sexista católico e evangélico obrigue o Estado a castigar mulheres e meninas porque projeta em seus corpos sentimentos reprimidos, insatisfações, incoerências, frustrações e perversões.
- Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque temos como referência o Evangelho da liberdade e da justiça para mulheres e homens, crianças e vulneráveis na sociedade. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gálatas 5:1); não permaneceremos sob o jugo da escravidão de um discurso religioso funesto.
- Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque ele é um disfarce que esconde, não a luta em defesa da vida do não nascido, mas a legalização do ódio contra mulheres que denunciam as desigualdades, o racismo, a LGTBfobia, o desprezo contra as pessoas pobres. O PL do Estupro e do Estuprador é um PL de morte porque crucifica inocentes.
- Denunciamos as alianças patriarcais entre religião e partidos políticos que negociam nossos direitos em troca de votos.
- Denunciamos sacerdotes, pastores e bispos que abusam de meninas, meninos e mulheres cotidianamente nas igrejas e depois as/os coagem a silenciar. Exigimos que o Estado, ao invés de permutar e se aliar com grupos religiosos, investigue de maneira isenta e sem exceção os religiosos abusadores.
- Reivindicamos que a laicidade do Estado se torne princípio inegociável. Não aceitamos mais que profissionais da saúde sejam coagidos e criminalizados por homens que se valem de sua autoridade religiosa para normalizar o ódio às mulheres.
- Reivindicamos que o Estado reavalie seus convênios e acordos com hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde - SUS e que se negam a realizar procedimentos contraceptivos como a colocação do DIU e a pílula do dia seguinte, valendo-se de dogmas e doutrinas religiosas.
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