Jamil Chade

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Reportagem

Sob Lula, melhores postos diplomáticos foram para homens

O governo Lula destinou os melhores postos diplomáticos para homens, relegando as mulheres para a chefia principalmente de embaixadas com uma classificação inferior, dentro do ranking que se estabelece na chancelaria para designar a importância e obstáculos de trabalho.

Os dados estão sendo divulgados no momento em que a Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras (AMDB) lança, nesta segunda-feira (24), a campanha Paridade na Diplomacia com o objetivo de sensibilizar as autoridades brasileiras, em particular dentro do próprio Ministério das Relações Exteriores, mas também toda a sociedade civil, quanto à importância de promover-se a igualdade e a paridade de gênero nos quadros da diplomacia brasileira.

No Itamaraty, cada posto no exterior recebe uma classificação, variando de A até D. Washington, por exemplo, é considerado como um posto A. Já Georgetown ou Luanda são D.

De acordo com os dados, o Itamaraty nomeou mulheres para chefiar apenas três postos de embaixadas classificadas como A ou B: em Washington, Estocolmo e Talin. Mulheres foram nomeadas para oito postos de chefia em embaixadas classificadas como C ou D, incluindo Luanda, Caracas, Acra ou Kingston.

Enquanto isso, o mesmo Itamaraty nomeou homens para 7 postos A, incluindo Londres, Paris e Roma, e mais 7 para postos B.

De todos os postos A com mais de 10 diplomatas, apenas 1 deles foi entregue para uma mulher. No caso, a embaixada em Washington.

Nos consulados brasileiros, a atual gestão do Itamaraty nomeou homens para 6 postos considerados como A, incluindo Barcelona, Nova York ou São Francisco. Para as mulheres, houve apenas duas nomeações nessa categoria, no Faro (Portugal) e Hartford (EUA).

No total, portanto, os homens ocuparam 80,3% das nomeações para cargos de chefia durante o governo Lula, contra 19,7% para as mulheres.

Homens, portanto, foram nomeados para 20 postos A, dos quais 6 eram consulados.

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Mulheres foram nomeadas para 5 postos A, dos quais 2 eram consulados.

Desde 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas marca o dia 24 de junho como Dia Internacional das Mulheres na Diplomacia. "Hoje, as mulheres são apenas 23% dos funcionários diplomáticos brasileiros", afirma a associação. "Mas esse número precisa crescer muito, inclusive mediante o ingresso expressivo de mulheres negras, indígenas e de demais grupos minorizados, para que o Itamaraty e todo o Brasil possam beneficiar-se do talento e da vocação de tantas mulheres que querem ingressar na carreira diplomática e, quando já parte do corpo diplomático, esperam poder participar da atividade diplomática com igualdade de oportunidades a seus colegas homens", diz a entidade.

Nos organismos internacionais, a discrepância é ainda maior. Sete cargos de chefia nas missões do Brasil na ONU, OMC ou OEA tiveram nomeações de homens para liderar. Apenas um cargo de chefia de uma missão do Brasil junto a um organismo internacional ficou para uma mulher: a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).

Com essa distribuição, o levantamento conclui que, hoje, os homens tem uma maior representação no comando dos melhores postos do Itamaraty, enquanto as mulheres são maioria nos postos mais difíceis.

Onde estão os homens no comando da diplomacia brasileira:

32,7% dos homens lideram postos A
21,3% dos homens lideram postos B
31,3% dos homens lideram postos C
14,7% dos homens lideram postos D

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Onde estão as mulheres no comando da diplomacia brasileira:

  • 33,3% das mulheres chefiam postos A
  • 7,1% das mulheres chefiam postos B
  • 33,3% das mulheres chefiam postos C
  • 26,6% das mulheres chefiam postos D

Ou seja, as mulheres são mais indicadas para postos C e D, em comparação com seus colegas homens.

A embaixadora Irene Vida Gala, presidente da Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil (AMDB), estima que "qualquer eventual intenção da atual gestão de assegurar algum destaque às mulheres diplomatas ficou mesmo só na intenção".

"Por isso pedimos cotas e ações afirmativas capazes de assegurar oportunidades às mulheres diplomatas", disse. "Talentos temos, mas nos faltam as oportunidades", afirmou. Segundo a embaixadora, não há nenhum critério objetivo ou transparente para a escolha das chefias das representações brasileiras no exterior. Esse seria um "poder discricionário absoluto do Ministro, em diálogo eventual com o presidente da república".

Itamaraty diz que há evolução em cargos ocupados por mulheres

Segundo o Itamaraty, há uma evolução na representação de mulheres no exterior, inclusive na chefia de postos. O governo destaca que essa taxa era de 13% ao final da gestão Bolsonaro e que, hoje, está em 20%.

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Além dos casos citados pelo informe, o governo aponta que mulheres foram designadas para chefiar outros dois organismos internacionais, durante os meses de transição entre o governo Bolsonaro e Lula.

Nos consulados, além dos citados pelo informe da AMDB, o Itamaraty diz que foram nomeadas mulheres para postos no Porto e Los Angeles. Nomeadas no governo de Bolsonaro, o Itamaraty destaca que mulheres também estão no Porto e Houston. Nas embaixadas, Estocolmo também foi ocupado por uma mulher.

O Itamaraty explica ainda que, apesar de não ser postos A, Caracas e Luanda são considerados como fundamentais para a atual gestão. No total, diante das novas nomeações, o governo estima que vai superar a marca de 20% de postos chefiados por mulheres.

Campanha de paridade na diplomacia

Para marcar a data, a AMDB lança a campanha #ParidadeNaDiplomacia, com objetivo de chamar a atenção para a "legitimidade e urgência da busca pela paridade de gênero na diplomacia brasileira", defendendo que:

  • a entrada no Instituto Rio Branco seja paritária;
  • o fluxo de carreira assegure mais mulheres nos cargos de liderança:
  • as mulheres tenham justa visibilidade dentro do Itamaraty, ocupando posições destacadas nas principais embaixadas e representações diplomáticas brasileiras.
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A campanha ainda conta com o lançamento de um estudo do Opefi (Observatório de Política Externa Feminista Inclusiva) sobre Políticas Externas Feministas. Trata-se da primeira contribuição do observatório à reflexão sobre o que poderá vir a ser, como já firmada em outros países, uma política externa feminista inclusiva.

Ainda no contexto da campanha, e em colaboração com a Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB Sindical), serão difundidas, ao longo da semana, nas redes sociais da ADB e também da AMDB, as ações afirmativas que o sindicato dos diplomatas brasileiros apresentaram, ao Itamaraty como sugestões para compor o Plano Federal de Ações Afirmativas, criado pelo Decreto 11.785, de 20 de novembro de 2023.

Essas propostas incluem um conjunto de 24 ações cujos destinatários são mulheres, negros e pessoas com deficiência e têm por objetivo tornar o Ministério das Relações Exteriores mais inclusivo e diverso, em benefício da qualidade dos serviços diplomáticos prestados a toda a sociedade brasileira.

O que diz o estudo

Na avaliação da entidade, a busca por direitos e oportunidades equitativas para pessoas de diferentes identidades sexuais e de gênero é "imprescindível para o alcance de uma paz sustentável e duradoura".

"O recado é claro: o mundo precisa de mais diversidade em todos os níveis das sociedades, e, principalmente, na composição dos atores que desempenham funções centrais para a boa governança global", afirmam.

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Lançada pela Suécia, em 2014, outros 15 países declararam oficialmente ou anunciaram sua intenção de adotar uma política externa feminista.

"A decisão destes países de revisitar as bases de suas ações exteriores é louvável, principalmente diante de um contexto de retrocessos, com a intensificação de movimentos conservadores e da extrema-direita que avançam pautas anti-gênero e contestam direitos amplamente reconhecidos", apontam.

Segundo o estudo, a adoção de uma política externa feminista envolve, em teoria, "o realinhamento de políticas, programas, estruturas institucionais e orçamento a partir de considerações de gênero".

"Na prática, contudo, a ausência de avanços concretos em relação aos objetivos explicitados nesses documentos aponta para a necessidade de reflexão sobre os incentivos e ganhos políticos que mobilizam as políticas externas feministas", alertam.

A lógica da efetividade

"Uma das principais justificativas utilizadas pelos Estados para adotar uma política externa feminista é a questão da efetividade", afirmam. Trata-se, portanto, de um "mecanismo para tornar as ações externas mais eficientes para a promoção do desenvolvimento sustentável e de uma paz duradoura".

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Alemanha, França, Canadá, Holanda, Espanha e Luxemburgo seguem essa lógica ao ressaltar os efeitos positivos da inclusão de perspectivas de gênero em questões de comércio, paz e segurança internacionais.

"As perspectivas feministas aplicadas a políticas externas funcionam, portanto, como um instrumento para a promoção de mudanças nas estruturas de desigualdade e dinâmicas de insegurança", destaca.

Em geral, o foco recai sobre a participação de mulheres nas áreas estratégicas que necessitam de intervenção, como as agendas de meio ambiente, desenvolvimento ou de paz e segurança.

"Inseridas nesses espaços, as mulheres atuariam automaticamente como agentes de mudança ao oferecerem uma perspectiva diferente da política tradicional ou por serem administradoras mais eficientes e capazes de refletir sobre os impactos e a distribuição de recursos a partir de um ponto de vista mais voltado para o bem-estar de suas famílias e comunidades", argumenta o estudo.

Alguns países ainda tendem a fundamentar sua decisão em seu histórico de atuação, tanto no âmbito doméstico como no internacional. Uma política externa feminista, portanto, seria vista como uma "evolução" de sua trajetória e seu engajamento ativo na promoção de igualdade de gênero.

Outros, usam como instrumento para alavancar a sua reputação política a partir do engajamento ativo com normas e princípios internacionalmente reconhecidos.

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Para completar, existem aqueles ainda que situam a adoção de uma política externa feminista como um instrumento de "defesa de valores liberais, principalmente diante da emergência de governos de extrema direita e dos impactos corrosivos de movimentos anti-gênero".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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