Jamil Chade

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Reportagem

OIT recomenda que Brasil titule o território quilombola de Alcântara

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) recomenda que o Brasil titule o território quilombola de Alcântara-MA, num gesto inédito da entidade num caso envolvendo comunidades tradicionais afrodescendentes no mundo.

O argumento da OIT é de que a convenção 169 precisa ser respeitada em relação à população local e que seja garantido o direito à consulta prévia, livre e informada.

Em 2019, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alcântara e o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Alcântara entraram com uma queixa, alegando o descumprimento da convenção da OIT na instalação do Centro de Lançamentos de Alcântara na década de 80 e, posteriormente, ao Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre os Estados Unidos e o Brasil para uso da Base Espacial.

De acordo com a queixa, entre 1986 e 1988, 312 famílias foram deslocadas à força de suas comunidades originais e reassentadas em sete agrovilas em condições que não lhes garantiu a mesma qualidade e quantidade de terra que possuíam antes, sem assistência técnica agrícola, com dificuldade de acesso ao mar - dificultando a pesca tradicional, e sem indenização adequada.

"Por consequência, essas famílias passaram a viver uma situação de pobreza, insegurança e vulnerabilidade", afirmam as entidades.

"Além da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, outra organização internacional, agora a OIT, reconhece o direito dos quilombolas de Alcântara à titulação coletiva do território, à Consulta Prévia, Livre e Informada e a ações compensatórias pela violação dos direitos garantidos pela Constituição Federal e reconhecidos pelas organizações internacionais" disse Fátima Diniz Ferreira, militante do Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA).

"Nenhum acordo com o governo será possível, se não forem respeitados esses direitos. Falta o governo brasileiro fazer a sua parte. Titulação Já", insiste a representante do Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Alcântara.

Ao aceitar a queixa, o Conselho de Administração da OIT instalou um comitê tripartite para analisar a denúncia, composto por representantes de governo, empregador e trabalhador.

O que pede a OIT:

Que o governo que tome sem demora as medidas necessárias para realizar, conforme a legislação nacional vigente, estudos sobre o impacto social, espiritual, cultural e ambiental que a expansão do CLA teria nas comunidades quilombolas de Alcântara, em cooperação com eles.

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O governo brasileiro se manifestou sobre a reclamação em 2021, em 2022 e, em 2023, propôs conciliação voluntária. Mas os sindicatos recusaram a proposta.

"As comunidades de Alcântara esperam que o Estado cumpra as recomendações emitidas pela OIT como medida de justiça reparatória ao racismo e às graves violações de direitos a que foram submetidas ao longo de 40 anos, desde a instalação da Base de Lançamentos na ditadura militar", afirma Leticia Marques Osorio, advogada dos Sindicatos proponentes da reclamação.

Bolsonaro assinou acordo

De acordo com os sindicatos, durante uma visita aos Estados Unidos em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro assinou o acordo que autoriza o uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara, para lançamentos de foguetes e satélites.

O grupo que conseguiu a decisão favorável da OIT aponta que o interesse dos americanos reside no fato de que a Base de Alcântara está mais próxima do Equador e, portanto, geraria uma economia de combustível em comparação a outras bases no mundo. A ratificação do acordo foi enviada e aprovada pelo Congresso Nacional ainda naquele ano.

"No entanto, em nenhum momento, as comunidades quilombolas de Alcântara - que já questionavam judicialmente as remoções de duas décadas antes - foram consultadas, nem tiveram respostas sobre o andamento da titulação", disse.

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Eles ainda apontam que o Centro de Lançamentos ocupa uma área de cerca de 78 mil campos de futebol e abriga 108 comunidades. "Se a ampliação fosse adiante, mais de 40 comunidades seriam despejadas. Desde então as comunidades vivem o temor de novas remoções para ampliação da base espacial", afirmam.

Os dados do Censo 2022, do IBGE, apontam que Alcântara é a cidade com a maior proporção de quilombolas do país. Ao todo, 84,6% dos moradores, cerca de 15.616 pessoas, se autodeclaram quilombolas.

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