Cerimônia enfurece extrema direita, que pede boicote e fala em 'sacrilégio'
A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris enfurece a extrema direita francesa que, nas redes sociais, chega a pedir boicote ao evento. A festa, na noite de sexta-feira, foi marcada pela diversidade, pela quebra de paradigmas e por mensagens de recusa de um padrão defendido por movimentos ultraconservadores.
Menos de 12 horas depois, as redes sociais e políticos da extrema direita não disfarçavam o mal-estar. O evento ocorre num momento de avanço dos ultraconservadores na Europa e de um debate sobre a normalização de teses racistas e xenófobas.
A extrema direita não conseguiu votos suficientes na última eleição francesa para formar um governo. Mas, com mais de 10 milhões de votos, jamais foi tão forte na vida política local desde o final da Segunda Guerra Mundial.
No lugar da baguete e dos símbolos caricaturais de uma França vista como arrogante, o evento abriu espaço para mulheres, negros, drag queens, estrangeiros e um questionamento de toda a discriminação.
Julien Odoul, porta-voz da Reunião Nacional, chamou o evento de "vergonha". "A abertura é um sacrilégio da cultura francesa." Para o deputado do mesmo movimento de extrema direita, Guillaume Bigot, o evento foi marcado pela "decadência".
Seus ataques eram, acima de tudo, contra a cantora Aya Nakamura. Nas últimas semanas, diante do vazamento da informação de que a artista de origem do Mali poderia estar no rio Sena, o grupo de extrema direita Les Natifs (Os nativos) foi às redes sociais para protestar. "Fora Aya. Aqui é Paris, e não um mercado de Bamako", escreveram.
Nakamura nasceu em Bamako, em 1995, em uma família de griots, músicos tradicionais e contadores de histórias. Alguns anos depois, eles foram para o subúrbio parisiense de Aulnay-sous-Bois.
O influenciador Jean Messiha, uma espécie de comentarista de grande impacto da extrema direita, ironizou também a participação de Aya e usou o hashtag BoycottParis2024 em suas publicações. A proposta foi usada de forma intensa pelos grupos ultraconservadores.
Marion Marechal, sobrinha de Marine Le Pen, acusou os organizadores de terem "humilhado" a Guarda Nacional ao fazê-la dançar ao lado de Aya.
"A Última Ceia com drag queens e a decapitação de Maria Antonieta acrescentam infâmia à feiura", escreveu Philippe de Villiers. Outro influenciador da extrema direita, Daien Rieu, atacou as imagens de drag queens. "Podemos ver outra coisa. Já faz 45 minutos", escreveu.
Uma parcela ainda dos comentaristas ligados aos grupos nacionalistas tentavam se distanciar do evento, tom que também foi adotado por políticos. "A todos os cristãos do mundo que se sentem insultados pela paródia de drag queen, saibam que não é a França que fala. Mas uma minoria da esquerda pronta para toda provocação", disse a sobrinha da líder de extrema direita.
O evento, porém, foi amplamente comemorado por grupos de direitos humanos. Quando os primeiros acordes de La Marseillaise foram entoados na abertura dos Jogos Olímpicos, o tradicional tom marcial foi substituído pelo lirismo da resistência. Para cantar um dos hinos mais reconhecidos do mundo, os organizadores selecionaram a mezzo soprano francesa negra, Axelle SaintCirel.
Ao lado da bandeira francesa e de um coral de 34 mulheres, a cantora assumia o papel de voz da nação. Desta vez, porém, de uma mulher nascida em Guadalupe, uma imagem forte de uma nova composição demográfica da França, com sua diversidade e desafios de integração.
"Eu assumo tudo", disse Patrick Boucheron, um dos idealizadores da cerimônia.
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