Jamil Chade

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Brasil vê proclamação de González como erro em estratégia de negociação

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva interpretou como uma "estratégia negociadora equivocada" a decisão da oposição venezuelana de se declarar como vencedora da eleição, realizada há uma semana. O gesto tem, segundo negociadores, o potencial de ampliar a radicalização das posições entre os diferentes grupos dentro da Venezuela.

Na segunda-feira, Edmundo González emitiu uma carta que, na prática, se proclama como vencedor do pleito e pede o apoio dos militares. Isso ocorre dias depois de Nicolás Maduro ter feito o mesmo.

O gesto desta semana gerou um "desânimo" e "preocupação" por parte de negociadores. Brasil, México e Colômbia tentam abrir canais de diálogo entre oposição e Maduro, na esperança de encontrar uma saída política para a crise. No Palácio do Planalto, as declarações dos últimos dias por parte da liderança da oposição indicavam que existia espaço para uma negociação.

Mas a percepção, neste momento, é que os diferentes interlocutores ainda estão se posicionando para o debate e querem chegar à mesa com uma atitude de força.

No governo brasileiro, não se esconde que o gesto da oposição tem o potencial de dificultar a estratégia do governo Lula. Imediatamente após a proclamação da vitória, as autoridades de Caracas anunciaram a abertura de um inquérito criminal contra os líderes da oposição.

A dificuldade agora é para colocar, numa só mesa, dois lados que se declararam como vitoriosos.

Nesta semana, o governo brasileiro deve voltar a conversar com mexicanos e colombianos, na esperança de estabelecer um mecanismo para iniciar o processo de diálogo. Não está ainda claro como isso ocorreria e nem quem faria parte. Mas o objetivo inicial é o de buscar interlocutores que estejam dispostos a abrir mão de posições extremistas, de ambos os lados.

O Brasil não reconheceu a vitória de Maduro e nem chancelou a declaração de González. O governo também tenta costurar apoios externos ao processo, na esperança de que não se repita o cenário de Juan Guaidó, o presidente autoproclamado e que levou europeus e americanos a reconhece-lo. Meses depois, a UE reverteu sua atitude.

Brasil apostava em González para evitar o radicalismo de Corina Machado

A proclamação da vitória por parte da oposição ainda abala a estratégia do Brasil pela abertura de canais de diálogo.

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Os mediadores acreditavam que o processo não deve incluir Maria Corina Machado, uma das figuras-chave das denúncias contra o regime venezuelano nos últimos anos e mobilizadora de milhões de seguidores.

A constatação dos três países é que, neste momento, seria necessário que o processo tenha como interlocutor o ator político que de fato era o concorrente na eleição, no caso Edmundo Gonzalez.

Mas, agora, sua carta pode fechar esses canais e tirar sua capacidade de ser aceito como interlocutor pelo governo Maduro.

Corina Machado foi inabilitada de sua candidatura, no início do ano. A decisão das autoridades venezuelanas causou constrangimento entre os fiadores do pacto fechado em outubro de 2023 e que previa as regras para a eleição, realizada há uma semana. O presidente de Colômbia, Gustavo Petro, qualificou o gesto de "golpe antidemocrático".

Mas, segundo observadores da ONU, o que chamou a atenção é que governos como o dos EUA e da Europa não abandonaram o plano de seguir adiante com a eleição, mesmo com a decisão arbitrária de Caracas contra a líder da oposição. A recomendação: busquem outro nome.

Também foi considerado como estratégica a pressão de governos como o do Brasil sobre Maduro, o que acabou permitindo que Caracas aceitasse a nomeação de um substituto para Corina Machado, no caso o próprio Edmundo Gonzalez.

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Em 2023, Corina Machado tinha vencido a votação que escolheria o nome da pessoa que enfrentaria Maduro nas urnas. Ela somou 92,5% de apoio. Mas sua vitória avassaladora era muito mais uma estratégia que um sentimento de consenso ao redor de seu nome.

Nos bastidores, muitos se mostravam insatisfeitos com suas posturas consideradas como radicais. Em 2018, ela criticou aqueles que buscaram um diálogo com Maduro. No ano seguinte, sinalizou que poderia aceitar uma intervenção armada. "Um regime criminoso apenas pode sair diante da ameaça do uso da força", disse.

Anos antes, seus encontros com o então presidente americano George W. Bush foram vistos como a comprovação de sua simpatia pelo poder na Casa Branca e reforçava o discurso de Hugo Chávez de que se tratava apenas de um instrumento do imperialismo. Sua família de industriais ainda era usada como um argumento aos chavistas de que se tratava apenas de uma "burguesinha".

Ao longo dos anos, a radicalização de ambos os lados levou a uma situação de tensão. Chávez chegou a esnobá-la em um debate, alertando não discutia com alguém sem poder. "Uma águia não caça-moscas", disse o então presidente. Ela, que era deputada, o acusava de "ladrão" e de estar levando a Venezuela ao colapso.

Em 2002, no golpe contra Chávez, Corina Machado ainda esteve presente no palácio presidencial. Naquele momento, ela assinou o que ficou chamado como o "Decreto Carmona", ato que estabelecia o governo de fato do empresário Pedro Carmona Estanga. Chávez, porém, voltaria ao poder, o que a colocou de uma forma permanente para o chavismo como um alvo de censura, de medidas judiciais e ataques.

Por isso, tanto em Brasília como em Bogotá, negociadores costuraram com Edmundo Gonzalez um entendimento de que, se o diálogo se transformar numa realidade, será ele o canal, e não a opositora.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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