Jamil Chade

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Reportagem

Repressão de Maduro fez 1.200 presos e 23 mortos, diz investigação da ONU

No primeiro levantamento por parte de uma instituição internacional sobre a crise na Venezuela, o grupo de inquérito independente criado pela ONU concluiu que a repressão realizada pelo governo de Nicolas Maduro resultou em mais de 1.200 presos e 23 mortes. Entre os detidos, estão mais de cem crianças e adolescentes.

A constatação é anunciada no dia em que o Tribunal Penal Internacional, em Haia, sinaliza que está "monitorando ativamente" os acontecimentos na Venezuela, numa declaração que foi interpretada como um recado ao governo de Maduro.

"O governo da Venezuela deve encerrar imediatamente a escalada de repressão que abala o país desde as eleições presidenciais de 28 de julho e investigar minuciosamente a série de graves violações de direitos humanos que está ocorrendo no momento", declarou um comunicado emitido pelos membros da missão de inquérito criada pela ONU.

Segundo eles, os protestos de rua, bem como as críticas nas mídias sociais, nas semanas que se seguiram à eleição, foram recebidos com "feroz repressão pelo Estado, conforme orientação de suas mais altas autoridades, induzindo a um clima de medo generalizado".

"A missão registrou 23 mortes, a grande maioria causada por tiros, entre 28 de julho e 8 de agosto, no contexto dos protestos. Em 18 desses casos, as vítimas eram homens com menos de 30 anos de idade", disse.

Para a chefe da missão, Marta Valiñas, "as mortes registradas durante os protestos devem ser investigadas minuciosamente e, se o uso excessivo de força letal pelas forças de segurança e o envolvimento de civis armados agindo em conluio com elas forem confirmados, os responsáveis devem ser responsabilizados". "As vítimas e suas famílias merecem justiça", insistiu.

Após analisar os dados publicados por várias organizações de direitos humanos, a missão pode concluir preliminarmente que pelo menos 1.260 pessoas foram detidas desde 28 de julho, incluindo 160 mulheres e mais de cem crianças e adolescentes.

A maioria das detenções ocorreu no distrito da capital (18%), seguido pelos estados de Carabobo (16%) e Anzoátegui (9%). A missão admite que dados da Procuradoria Geral da República indicam que pelo menos 2.200 pessoas foram rotuladas indiscriminadamente como "terroristas".

Padrão de violações

De acordo com o comunicado emitido em Genebra, a missão identificou elementos comuns nessas detenções. Por isso, as qualificam como "arbitrárias, constituindo graves violações do devido processo legal, deixando os indivíduos desprotegidos no sistema judiciário".

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Isso inclui audiências sumárias conduzidas remotamente pelos Tribunais de Terrorismo em Caracas, mesmo que os eventos tenham ocorrido em outro lugar. Outro elemento é a imposição de acusações criminais graves, como terrorismo, conspiração e crimes de ódio, sem provas ou aplicadas de forma desproporcional.

A missão ainda aponta a negação de informações aos membros da família ou o fornecimento de informações tardias e incompletas, além de um impedimento de que os detidos indiquem um advogado de sua escolha.

Missão pede liberação de todos os detidos

"Todos os indivíduos detidos arbitrariamente devem ser libertados imediatamente", disse Patricia Tappatá, especialista da missão. "As autoridades devem aderir estritamente aos padrões internacionais com relação ao devido processo legal e às condições de detenção", insistiu.

Entre os detidos, estão líderes políticos, membros e apoiadores de partidos políticos, jornalistas e defensores dos direitos humanos, considerados ou percebidos pelas autoridades como parte da oposição.

"Entretanto, a grande maioria das pessoas detidas eram simplesmente indivíduos que expressaram sua rejeição aos resultados da eleição presidencial anunciados pelas autoridades", afirmou o comunicado. "Muitas dessas detenções ocorreram depois que os indivíduos participaram de protestos ou expressaram suas opiniões nas mídias sociais, sendo que as autoridades os atacaram seletivamente em suas casas", disse a missão.

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O grupo ainda recebeu informações "particularmente preocupantes" sobre a detenção de mais de cem crianças e adolescentes, que foram acusados dos mesmos crimes graves que os adultos. "Além disso, essas crianças não foram acompanhadas por seus pais ou responsáveis durante os processo", alertam.

"O governo tem a obrigação de garantir que as crianças detidas sejam tratadas em estrita conformidade com as obrigações internacionais de proteção à criança, respeitando seus melhores interesses", disse Francisco Cox, especialista da missão.

Haia manda recado para Maduro

Coincidindo com a publicação dos primeiros dados da missão, o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, anunciou também nesta segunda-feira (12) que está monitorando a situação na Venezuela, principalmente diante das acusações de que o governo de Nicolás Maduro passou a incrementar a repressão depois dos resultados da eleição, há duas semanas.

Segundo um comunicado, o órgão com sede em Haia está "monitorando ativamente" os acontecimentos na Venezuela. A mensagem foi interpretada como um recado de alerta às autoridades de Caracas.

Khan indicou que "recebeu vários relatos de casos de violência e outras alegações após a eleição presidencial". Um deles foi da Anistia Internacional que, na semana passada, cobrou de Haia uma resposta diante da repressão.

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Em 2017, depois da violência que tomou conta da Venezuela no pós-eleições, o Tribunal Penal Internacional abriu um inquérito sobre os acontecimentos no país. Mas ninguém foi indiciado até o momento.

Em sua declaração nesta segunda-feira, ele indicou que as investigações sobre os últimos anos continuam sendo examinadas.

Lula pode falar com líderes de México e Colômbia

Enquanto a pressão aumenta sobre Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter uma conversa telefônica nesta segunda-feira com os presidentes da Colômbia e do México, na esperança de acertar uma estratégia para lidar com a crise política na Venezuela.

A reunião ainda não está confirmada. Mas uma das ideias é a criação de uma espécie de comissão, encarregada de negociar tanto com a oposição venezuelana quanto com o governo de Maduro, que insiste que venceu as eleições há duas semanas.

A estratégia é que canais de comunicação sejam estabelecidos, buscando interlocutores de ambos os lados e temas que possam desbloquear um processo negociador.

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O grupo é visto por muitos na comunidade internacional como a melhor esperança de permitir que se evite uma nova onda de violência pela Venezuela. O presidente da França, Emmanuel Macron, deu seu apoio ao grupo, assim o Reino Unido e a Alemanha. Na sexta-feira, foi a vez do chefe da diplomacia da UE, Josep Borell, que falou que "a mediação liderada por Brasil, Mexico e Colômbia é chave".

Mas todos insistem que apenas poderão continuar apoiando o projeto se os três presidentes latino-americanos se comprometerem com a ideia de que Maduro terá de ser transparente com as atas.

Na semana passada, o encarregado do Departamento de Estado norte-americano para temas latino-americanos, Mark Wells, também destacou que o governo de Joe Biden era "favorável ao diálogo" iniciado pelos três países da região e indicou que estava mantendo uma coordenação "muito próxima" com Brasil, Colômbia e México.

No fim de semana, o jornal The Wall Street Journal revelou que o governo americano está cogitando oferecer a Maduro uma anistia, em troca de reconhecimento por parte do venezuelano de que seu governo chegou ao fim. No governo brasileiro, o projeto não era conhecido pelos negociadores.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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