Jamil Chade

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Kamala, Biden e Trump instrumentalizam Gaza como arma eleitoral

Entre as reuniões secretas no Cairo, em Tel Aviv e no Catar para tentar encontrar uma forma de promover um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, negociadores frequentemente interrompem as conversas para ouvir os últimos comentários feitos por Kamala Harris, Donald Trump ou mesmo Joe Biden sobre à situação em Gaza.

Fontes envolvidas no tenso diálogo admitem que um acordo não depende apenas do que o Hamas ou Israel estão dispostos a ceder. Mas também do que um acordo —ou seu fracasso— representaria para a eleição americana.

Diplomatas no Oriente Médio destacam que existe, de fato, uma ofensiva por parte de Joe Biden e Kamala Harris para conseguir um acordo antes das eleições, no começo de novembro. Um pacto seria considerado uma plataforma política e uma vitória para a campanha da atual vice-presidente.

A articulação começou em maio, internamente, na Casa Branca. Em seguida, o processo foi apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, que chancelou a proposta.

Biden, segundo assessores diplomáticos na região, tem colocado Kamala Harris nas conversas telefônicas com Benjamin Netanyahu, e os negociadores admitem para embaixadores estrangeiros que Washington quer "resolver" a crise como forma de ganhar pontos no processo eleitoral.

O primeiro-ministro israelense, porém, aposta numa vitória de Donald Trump, o que lhe garantiria um cheque em branco para continuar e terminar a destruição de Gaza. Sua estratégia, portanto, é a de arrastar as negociações até novembro, na esperança de que, depois, tenha a Casa Branca incondicionalmente ao seu lado.

O resultado tem sido, portanto, um processo negociador tenso, com Israel apresentando novas condições a cada rodada de conversas e, assim, forçando o prolongamento do diálogo até novembro.

Tensão interna entre democratas

A dimensão do conflito para a política doméstica americana ficou clara durante o discurso desta semana de Kamala Harris na convenção democrata. O evento estava sendo alvo de forte pressão, com protestos queimando a bandeira americana e até confrontos com a polícia de Chicago.

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Uma ala mais progressista do partido questionou o motivo pelo qual nenhum palestino foi convidado a falar durante a semana de encontros. A campanha havia sido solicitada a incluir um representante da população de ascendência Palestina. Mas os democratas colocaram na programação apenas Jon Polin e Rachel Goldberg, pais de Hersh Goldberg-Polin, sequestrada pelo Hamas em 7 de outubro.

No palco, a família seguiu a linha do partido de insistir em atrair votos. Polin, por exemplo, destacou como Biden e Kamala estavam "trabalhando sem descanso" para liberar os reféns. "E isso vai parar o desespero em Gaza", disse. Segundo ele, um cessar-fogo traria calma para a região.

A recusa em levar ao palco um palestino gerou protestos de importantes nomes entre os democratas, incluindo a deputada Alexandria Ocasio-Cortez.

Diante das pressões internas, a candidata optou por costurar um discurso que não ameaçaria fazê-la perder os votos pró-Israel e nem afastar ainda mais a ala democrata que pede uma atitude mais clara do partido contra os crimes cometidos por Benjamin Netanyahu.

Em seu discurso, ela deixou claro que os EUA estavam trabalhando "24 horas por dia" por um acordo. De um lado, insistiu sobre o "direito de Israel de se defender". Ela voltou a acusar o Hamas pelos atos terroristas de 7 de outubro e denunciou a violência sexual contra as vítimas israelenses.

Mas também alertou sobre a "devastadora" perda de vidas e denunciou a "escala de sofrimento". Para ela, o povo palestino deve ter o direito à "dignidade, segurança, liberdade e autodeterminação".

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Trump: 'Kamala odeia Israel'

Trump, por seu lado, tem deixando claras suas críticas às propostas de um cessar-fogo apresentadas por Biden-Harris.

Segundo ele, a defesa de um cessar-fogo apenas dá ao Hamas tempo para se reagrupar. Trump criticou aqueles que estão pressionando por um acordo, chamando-os de "bandidos pró-Hamas" e "simpatizantes da jihad" e ameaçando prendê-los e deportá-los se ele se tornar presidente novamente.

Nesta semana, o ex-presidente acusou Kamala Harris de não estar ao lado de Tel Aviv. "Ela odeia Israel", escreveu nas redes sociais, após o discurso da democrata.

Ele ainda revelou que aconselhou a Netanyahu a conclusão rápida da guerra de Israel em Gaza, durante seu último encontro, em julho. "Isso tem que acabar rápido. Consiga sua vitória e acabe com isso. Isso tem que parar, a matança tem que parar", declarou Trump, referindo-se à sua conversa com o primeiro-ministro israelense em Mar-a-Lago.

Pressão em estados críticos

Apesar da pressão de Trump, o posicionamento de Harris pode não ser suficiente para acalmar os críticos internos do partido e uma ala da sociedade americana. Gaza, de fato, causou um acalorado debate dentro do partido Democrata. Pesquisas realizadas pela YouGov/Economist indicaram que 42% dos democratas querem uma redução da ajuda militar dos EUA para Israel, 30% defendem o atual volume de dinheiro e apenas 10% querem um aumento.

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Grupos dentro dos democratas, como o Uncommitted National Movement, pedem ainda que Harris adote um embargo de armas contra Israel e alertam que, sem um posicionamento mais enfático, ela corre o risco de perder votos nos estados mais críticos para a eleição.

Um deles é Michigan, onde há uma das maiores concentrações de descendentes de árabes em todos os EUA.

Para analistas na região, um dos cenários mais prováveis seria um aumento da pressão sobre Netanyahu, caso Kamala Harris vença a eleição.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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