Jamil Chade

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Reportagem

Clima abre confronto geopolítico e cria impasse para Lula em cúpula na ONU

Com a proximidade da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Nova York, um tema se transforma em impasse nas negociações na ONU: o clima. No dia 22 deste mês, a entidade reúne em sua sede governos de todo o mundo com o objetivo de adotar um compromisso global para superar desafios como o da pobreza, guerras e mudanças climáticas.

A Cúpula do Futuro, iniciativa da ONU para redesenhar compromissos internacionais e buscar uma nova forma de organizar o sistema internacional, terá entre seus principais nomes o presidente brasileiro.

O processo ocorre enquanto o Brasil vive sua pior seca, um número recorde de incêndios e graves transformações climáticas.

Ainda que a pauta da cúpula vá no mesmo sentido defendido pelo Brasil — de transformação das instituições internacionais — alguns aspectos da declaração final viraram motivos de preocupação ao governo Lula e outros países em desenvolvimento.

Nas discussões, um impasse ainda não foi superado: a insistência de países ricos em vincular a crise climática como uma ameaça à segurança internacional.

Ainda que a transformação climática esteja gerando refugiados, guerras e que seja um desafio existencial, a suspeita dos emergentes é de que o novo foco minimize as responsabilidades históricas dos maiores poluidores e passe a dar um aspecto até militar para a crise ambiental.

Guy Ryder, mediador do processo, admitiu ao ser questionado pelo UOL que ainda não há um acordo no capítulo que lida com a relação entre clima e segurança.

O temor brasileiro e de outras delegações é de que a questão climática possa ser eventualmente transformada em uma questão de segurança, com medidas que poderiam ameaçar inclusive a soberania nacional.

Para o Itamaraty, ao dar esse tratamento, o pacto minimizaria as causas das mudanças climáticas, se limitando a tratar apenas de seus efeitos.

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Tradicionalmente, o governo brasileiro vem insistindo que cabe aos países industrializados pagar e arcar com a responsabilidade pelas transformações causadas no planeta. Para os emergentes, a crise não é apenas resultado de uma ação recente, mas de décadas de um modelo de produção.

O Brasil também vê com hesitação a incorporação do tema ambiental na agenda do Conselho de Segurança. O Itamaraty considera que o órgão não conta com instrumentos para lidar com as causas das mudanças climáticas e poderia inclusive esvaziar a legitimidade de mecanismos da ONU onde, de fato, o tema ambiental é tratado.

O que diz o rascunho da declaração

Em julho, depois de semanas de negociação, a ONU apresentou um primeiro rascunho do que seria o acordo de 30 páginas. Em um dos trechos, os governos então concordariam em garantir que os órgãos internacionais considerassem e lidassem com as implicações das mudanças climática para a paz e segurança internacional.

Isso deveria ser feito, segundo aquela versão, até mesmo em operações de paz.

A versão era apoiada por países ricos, pelos principais doadores de mecanismos de combate ao desmatamento e por produtores de petróleo.

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Mas a pressão do Brasil e de outros governos levou o texto a ser revisado e, em seu formato atual, as referências às operações de paz foram excluídas. Por exigência dos emergentes, também ficou esclarecido que cada órgão da ONU apenas poderia lidar com o tema climático, dentro de seus mandatos.

Se aprovado, o texto que será submetido aos presidentes dirá:

"Os efeitos adversos da mudança climática, da degradação ambiental, da perda de biodiversidade, da desertificação, da escassez de água e dos riscos hídricos podem exacerbar as tensões sociais, a instabilidade e a insegurança econômica, aumentar as necessidades humanitárias e socioeconômicas e, em alguns casos, contribuir para o início ou o agravamento de conflitos.

Os países afetados por conflitos armados geralmente não têm a capacidade, os recursos e a resiliência para responder aos efeitos adversos das mudanças climáticas e de outros desafios ambientais.

Diante dessa situação, os governos decidem:

Assegurar que os órgãos intergovernamentais relevantes das Nações Unidas considerem e abordem, dentro de seus respectivos mandatos, as implicações para a paz e a segurança internacionais dos efeitos adversos das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade, da desertificação, da escassez de água e dos riscos hídricos e de outros desafios ambientais, quando relevante.

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Implementar urgentemente os compromissos acordados sobre mudança climática, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, dentro do respectivo mandato de cada órgão intergovernamental, incluindo compromissos financeiros para apoiar os países em desenvolvimento, especialmente aqueles que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança climática."

Ryder, que lidera o processo negociador, admitiu que não existem garantias de que o acordo seja obtido. Mas insiste que o processo é um dos mais relevantes na diplomacia mundial desde os anos 60.

Reportagem

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