Jamil Chade

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Reportagem

Seca na Amazônia é sinal 'evidente' de mudança climática, diz chefe da ONU

A seca que atinge a Amazônia tem uma relação direta com as mudanças climáticas. Pelo mundo, fenômenos extremos estão apontando para um impacto real dessas transformações no clima. O recado é do secretário-geral da ONU, António Guterres, que nesta semana é anfitrião para os principais líderes mundiais na Assembleia Geral.

Em conversa com o UOL nesta quarta-feira, Guterres insistiu sobre o compromisso do governo brasileiro em reduzir o desmatamento.

"A seca na Amazônia é, em larga medida, causada pelas alterações climáticas", disse Guterres.

"Independentemente disso, o Brasil, naturalmente, sei que está totalmente comprometido com a preservação da selva amazônica, e com evitar a desmatamento, com a deflorestação da Amazônia, mas os fenômenos a que estamos a assistir hoje são essencialmente de origem climática", completou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no sábado em Nova York e participa, a partir de domingo, da Cúpula do Futuro.

Trata-se de uma iniciativa da ONU para tentar revitalizar o sistema multilateral, em sérias dificuldades. Nos últimos anos, os principais órgãos das Nações Unidas estão sendo ignorados por potências, a entidade está sem dinheiro e as regras internacionais sobre guerras estão sendo violadas.

Para diplomatas estrangeiros e brasileiros, os incêndios no país ameaçam sufocar a mensagem do presidente brasileiro na ONU. Lula pretendia mostrar o compromisso do país com o clima, insistir sobre a queda do desmatamento e cobrar os países ricos para que cumpram suas promessas de financiar a transição nos países em desenvolvimento.

Antes de falar com o UOL, em outra entrevista, Guterres foi questionado sobre outros incêndios pelo mundo. Na resposta, insistiu sobre o impacto das mudanças climáticas.

É absolutamente evidente que o agravamento dos incêndios em Portugal, o agravamento das cheias na Europa Central e Oriental, o agravamento das cheias na Nigéria e o conjunto de outros desastres que vemos multiplicar por toda a parte do mundo, tem uma relação direta com o agravamento da crise climática.

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Hoje ninguém tem dúvidas a esse respeito. A crise climática é um fator multiplicador de todas as tragédias a que assistimos.
António Guterres, secretário-geral da ONU

Pacto do Futuro

Uma das apostas da ONU para 2024 é a adoção de um documento que aponte para 1) uma reforma profunda do sistema internacional e 2) a definição de que o clima deve ser um dos compromissos centrais dos governos.

Mas, com governos profundamente divididos, o documento com o ambicioso nome de Pacto do Futuro apenas faz referências a compromissos já assumidos, indicando meramente a intenção de intensificar os trabalhos. Para alguns dos negociadores climáticos do Brasil, o texto é "muito fraco".

Já para Guterres, "seria trágico" se o pacto não fosse aprovado.

"Não podemos criar um futuro adequado para nossos netos com sistemas criados para nossos avós", argumentou Guterres.

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"A Cúpula do Futuro é um primeiro passo essencial para tornar as instituições globais mais legítimas, eficazes e adequadas ao mundo de hoje e de amanhã. Ela não pode falhar", completou.

Ainda que a pauta da cúpula vá no mesmo sentido defendido pelo Brasil — de transformação das instituições internacionais — alguns aspectos da declaração final viraram motivos de preocupação ao governo Lula e outros países em desenvolvimento: a insistência de países ricos em vincular a crise climática como uma ameaça à segurança internacional.

Ainda que a transformação climática esteja aumentando o número de refugiados, produzindo guerras e seja um desafio existencial, a suspeita dos emergentes é de que o novo foco minimize as responsabilidades históricas dos maiores poluidores e passe a dar um aspecto até militar para a crise ambiental.

Guy Ryder, mediador da ONU no processo, admitiu ao ser questionado pelo UOL que ainda não há um acordo no capítulo que lida com a relação entre clima e segurança.

O temor brasileiro e de outras delegações é de que a questão climática possa ser eventualmente transformada em uma questão de segurança, com medidas que poderiam ameaçar inclusive a soberania nacional.

Para o Itamaraty, ao dar esse tratamento, o pacto minimizaria as causas das mudanças climáticas, se limitando a tratar apenas de seus efeitos.

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Tradicionalmente, o governo brasileiro vem insistindo que cabe aos países industrializados pagar e arcar com a responsabilidade pelas transformações causadas no planeta. Para os emergentes, a crise não é apenas resultado de uma ação recente, mas de décadas de um modelo de produção.

O Brasil também vê com hesitação a incorporação do tema ambiental na agenda do Conselho de Segurança. O Itamaraty considera que o órgão não conta com instrumentos para lidar com as causas das mudanças climáticas e poderia inclusive esvaziar a legitimidade de mecanismos da ONU onde, de fato, o tema ambiental é tratado.

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