Lula testa ambição e influência global em cúpula da ONU em NY
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca neste sábado, em Nova York, para abrir a Assembleia Geral da ONU, num dos piores momentos da história da entidade, que está enfraquecida, sem recursos suficientes e sem poder.
Nos bastidores, o que estará em jogo para Lula é sua ambição de ser um dos atores centrais na definição das regras globais e no esforço de resenhar o sistema internacional.
Entre os artífices da política externa brasileira, a viagem testará a capacidade real de Lula e do país em fazer vingar sua visão de mundo, num momento de redefinição das regras internacionais, da ONU e dos próprios eixos de poder. Além dos discursos, o presidente recebeu o convite de cerca de 30 líderes para encontros bilaterais. Por enquanto, ele confirmou reuniões com a França, Haiti, Espanha e UE.
Se em 2023 Lula deu o recado de que o Brasil tinha voltado ao cenário internacional, depois de quatro anos de isolamento e de perda de prestígio externo, em 2024, o governo Lula quer é mostrar os primeiros resultados da meta de retomar influência global. O presidente vai destacar a aliança contra a fome e suas iniciativas no comando do G20.
Em um ano e meio de governo, Lula multiplicou encontros e viagens — mas enfrenta sérios desafios em algumas das principais ideias e propostas de política externa. O chamado "Grupo da Paz", proposto pelo Brasil para a guerra na Ucrânia, não vingou, a aposta na Venezuela de Nicolás Maduro criou um sinuca de bico para o país, o governo de Joe Biden (EUA) não consolidou uma aliança mais sólida, a ideia de um acordo comercial com a UE patina e o projeto de restabelecer a integração sul-americana recebeu duros golpes.
Queimadas: orientação para não se apresentar apenas como vítima
Em Nova York, a ambição do Brasil de se mostrar como líder ambiental global será testada. Diplomatas estrangeiros admitiram ao UOL que as cenas das queimadas têm o potencial de sufocar a mensagem que Lula quer dar e a legitimidade de sua cobrança aos países ricos.
A orientação da diplomacia brasileira foi a de não se apresentar como vítima. A recomendação é que Lula admita que mais medidas de mitigação precisa ser adotadas e, ao mesmo tempo, destaque que a situação reflete o impacto global das mudanças climáticas.
A situação levou o governo brasileiro a recalibrar o discurso do presidente. O texto começou a ser desenhado ainda no mês passado, mas foi há uma semana que os rascunhos haviam sido preparados no Itamaraty chegaram ao Palácio do Planalto. Ali, uma decisão política será tomada sobre os pontos que entram e os que são retirados.
Nas versões iniciais do texto, a questão climática já seria amplamente mencionada e seria um dos pilares da mensagem. Mas, desde que as queimadas ganharam dimensões nacionais, assessores do Palácio do Planalto passaram a julgar a necessidade de que a questão ganhasse um peso ainda maior. Inclusive para não soar como um discurso desconectado da realidade.
Além de denunciar os atos criminosos, uma das expectativas da fala é reforçar a ideia de que as queimadas servem de alerta para a necessidade de intensificar as ações de mitigação e prevenção à mudança do clima, de proteção ambiental e de ampliação de políticas de desenvolvimento sustentável.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou em conversa com o UOL existir uma percepção de que o Brasil está comprometido a lutar contra o desmatamento. Há o temor, porém, de que a crise de queimadas no Brasil possa ser usada por governos estrangeiros para se blindarem de acusações e tentar reduzir o papel do Brasl no lobby por um maior compromisso financeiro dos países para bancar a transição energética no mundo.
Diplomatas admitiram à reportagem que, se o discurso tivesse ocorrido há um mês, o tom da participação do Brasil seria diferente. "Seremos testados", admitiu à reportagem um embaixador brasileiro do alto escalão do governo.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
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Se em 2023 a fala de Lula se concentrou na questão da desigualdade, a intenção desta vez era insistir sobre a necessidade de que haja uma reforma completa dos organismos internacionais, inclusive com uma proposta de uma emenda à Carta das Nações Unidas, de 1945, e uma ampliação do Conselho de Segurança até 2030.
Durante a semana, segundo revelou a Bloomberg, o G20 emitirá um comunicado no qual irá defender, pela primeira vez, a necessidade de uma reforma dos organismos financeiros mundiais, da ONU e até da OMC (Organização Mundial do Comércio).
No texto, obtido também pelo UOL, o G20 vai defender a inclusão de novos membros no Conselho, inclusive com uma vaga para a América Latina.
Cada um dos governos, porém, tem uma visão diferente do que será essa reforma e quem deve assumir as cadeiras. Além disso, após a crise financeira de 2008, promessas similares foram feitas. E jamais cumpridas de forma integral.
A ambição do Brasil de conseguir reformar ao seu modo o Conselho de Segurança da ONU ainda recebeu dois golpes importantes.
De um lado, o governo da China está trabalhando para evitar que o novo órgão conte com qualquer aliado americano, um rival regional ou que mantenha o peso do Ocidente na distribuição de poder. A aliança formada por Alemanha, Índia, Japão e Brasil por quatro vagas no Conselho, portanto, é rejeitada por Pequim.
De outro, o governo dos EUA já sinaliza que sua ideia de reforma não conta, pelo menos neste momento, com uma vaga que seria dada necessariamente para o Brasil. A Casa Branca ainda anunciou que "não abrirá mão do poder de veto" e que é contra dar esse poder a novos membros.
No domingo, se as negociações forem concluídas, os governos vão adotar uma declaração na qual se comprometerão com uma revitalização da ONU — com previsão de que a reforma do conselho ocorra até 2030. O documento, porém, foi desidratado diante das diferenças entre os países, principalmente entre as potências.
No documento, os governos vão anunciar:
Reformaremos o Conselho de Segurança da ONU, reconhecendo a necessidade urgente de torná-lo mais representativo, inclusivo, transparente, eficiente, eficaz, democrático e responsável.
Para isso, alguns princípios serão adotados. E, na avaliação de experientes diplomatas, os pontos são ainda vagos sobre como seria a reforma. Esses princípios incluem:
- Reparar a injustiça histórica contra a África como prioridade e, ao mesmo tempo em que tratar a África como um caso especial, melhorar a representação das regiões e grupos sub-representados e não representados, como a Ásia-Pacífico e a América Latina e o Caribe.
- Intensificar os esforços para chegar a um acordo sobre a questão das categorias de membros.
- O número total de membros de um Conselho ampliado deve garantir um equilíbrio entre sua representatividade e eficácia.
Ainda que o mediador das negociações sobre o Pacto, Guy Ryder, insista que se trata de "o maior avanço sobre o conselho desde 1960", diplomatas alertam que o texto pouco diz sobre como será feita a reforma.
Para diplomatas, o teste do Brasil é sua capacidade de se apresentar como o candidato "natural" da América Latina.
Democracia e plataformas digitais
Outro desafio é a defesa da democracia. No dia 24, Lula reunirá os governos da Espanha, França, Chile, EUA, Tanzânia, África do Sul e uma outra dezena de países para dar uma demonstração de força contra a extrema direita. O mesmo debate também promete tocar na situação das plataformas digitais e sua capacidade de difundir desinformação que ameaçam as democracias.
O encontro, porém, não terá uma declaração final assinada por todos os governos. Tampouco está garantida ainda a presença do presidente Joe Biden, um dos convidados.
Ucrânia e um plano de paz
Também será testada em Nova York a proposta de China e Brasil de buscar uma solução pacífica e diplomática para a guerra na Ucrânia. No dia 27, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, estará com as lideranças chinesas na esperança de promover entre um grupo de cerca de 20 países a ideia de um acordo político entre russos e ucranianos. Os convidados serão essencialmente os países emergentes e a esperança é de que o projeto ganhe o respaldo do bloco.
Nesta semana, Lula conversou com o presidente Vladimir Putin sobre a ideia, e o objetivo é que, na ONU, o plano possa ganhar o apoio de outros líderes. O governo ucraniano, no entanto, insiste que a proposta não pode servir de base e Volodymyr Zelensky anuncia que apresentará ao governo Biden um "plano de vitória" para a guerra.
Diferentes discursos vão compor mensagem do Brasil
Lula, porém, não fará apenas o discurso de abertura da Assembleia Geral em Nova York, na terça-feira (25) — e o governo considera que, para entender a mensagem que o país quer passar, será necessário levar em conta todas suas principais falas.
A primeira delas ocorre no domingo, na Cúpula do Futuro, também na ONU. Ali, a mensagem será a de que uma reforma do Conselho de Segurança até 2030 deve ser um objetivo. Ele também deve insistir na abertura dos organismos financeiros para atender aos interesses dos emergentes.
A comitiva brasileira é composta pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos), Marina Silva (Meio Ambiente), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Vinicius Carvalho (CGU), o chanceler Mauro Vieira e Amorim.
Os presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, também acompanham a reunião.
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