Jamil Chade

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Lula fala em fracasso coletivo na ONU, estoura tempo e microfone é cortado

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste domingo na ONU, em Nova York, que o Pacto da ONU aprovado neste domingo não é suficiente ainda para lidar com as crises estruturais, criticou o Conselho de Segurança e a falta de ambição da comunidade internacional em reformar as instituições. O conteúdo de sua fala foi antecipado pelo UOL. Em seu discurso, ele ainda alertou que, no atual ritmo, o mundo caminho para um "fracasso coletivo" e que não atingirá metas de redução de fome e pobreza.

Mas o brasileiro, que tinha apenas cinco minutos para falar, teve seu microfone cortado na ONU, por passar do tempo. Os dois líderes que o antecederam também sofreram com a limitação do tempo e tiveram de interromper a fala, por determinação do presidente da Assembleia Geral da ONU. Lula, porém, continuou a discursar, sem o microfone, até concluir sua mensagem.

O brasileiro participou da Cúpula do Futuro, iniciativa da ONU para tentar resgatar os organismos multilaterais e que foi amplamente esvaziada pela ausência dos principais líderes mundiais e por uma documento desidratado de qualquer conteúdo mais contundente. O objetivo era de que o acordo fosse aprovado por consenso. Mas, de forma inesperada, a delegação russa decidiu apresentar novas exigências e ameaçou bloquear a adoção do Pacto do Futuro

Faltou ousadia, diz Lula

Para Lula, ainda que o acordo sirva de um guia para o futuro, faltou "ambição e ousadia". "O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir", disse. "O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional", afirmou, citando avanços como a criação de uma instância de diálogo entre presidentes e líderes de instituições financeiras internacionais que promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.

Lula também destacou o avanço de uma governança digital inclusiva, "que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial". "Todos esses avanços serão louváveis e significativos", disse.

Mas ele deixou claro que isso não é suficiente. "Nos faltam ambição e ousadia", disse. "A crise da governança global requer transformações estruturais", insistiu.

Para ele, a pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima "escancaram as limitações das instâncias multilaterais".

"A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões", afirmou . "A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado", alertou.

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Lula ainda destacou como a "legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades".

O presidente também criticou o fato de as instituições de Bretton Woods desconsiderarem as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento. "O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico", afirmou.

Foi nesta parte que o microfone deixou de funcionar. "A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável", disse o presidente, já sem a transmissão ou tradução.

"Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos. O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão", completou.

Em seu discurso, Lula destacou como, há 20 anos, o processo de reforma já havia sido evocado. "Naquela ocasião, ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico", lembrou. Segundo ele, alguns elementos se transformaram em realidade. "Outras ideias não saíram do papel", lamentou.

Para ele, a comunidade internacional tem a responsabilidade de não deixar que avanços possam ser minados. "Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação", defendeu Lula.

O presidente ainda alertou que tampouco o mundo pode "voltar a conviver com ameaças nucleares". "É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência", disse.

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"Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso. Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente", denunciou.

'Fracasso coletivo' na área social

Lula ainda alertou que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos. Mas "caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo".

"No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo", disse, citando a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza que o Brasil vai anunciar no G20.

Redução de emissões é insuficiente

Diante das queimadas no Brasil, sua única referência ao clima foi uma cobrança, principalmente aos países ricos. "Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro", disse.

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"Em parceria com o Secretário-Geral, como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade", completou.

Pacto aprovado, mas esvaziado

O Pacto do Futuro acabou sendo aprovado, mas a manobra por parte de Moscou enfraqueceu seu peso e escancarou a polarização no mundo.

O pacto prevê ações para iniciar uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, a revisão dos organismos financeiros e o início de um trabalho internacional para regular plataformas digitais e mesmo sobre Inteligência Artificial.

Mas, para diplomatas de diferentes partes do mundo, o texto foi amplamente esvaziado ao longo dos últimos meses. O impasse na sessão final ainda aprofundou o mal-estar.

Na terça-feira, Lula ainda abrirá a Assembleia Geral da ONU, quando terá 20 minutos para passar sua mensagem à comunidade internacional.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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