Boric critica esquerdas em evento de Lula contra extrema direita
A reunião convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para criação de uma aliança contra a extrema direita viveu, nesta terça-feira (24), na ONU, uma situação inesperada e que causou irritação em parte da delegação brasileira.
Depois de Lula fazer um discurso contra a extrema direita e atacar as redes sociais, na sede da ONU, o brasileiro tinha a esperança de que o encontro reunisse os principais líderes de democracias. Mas o plano não funcionou. Lula admitiu que convidou o chanceler alemão, Olaf Scholz, o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Mas nenhum dos três estava na sala quando o encontro começou. Macron acabou chegando mais tarde. Ainda que o debate fosse sobre a democracia, Espanha e Brasil decidiram que não haveria a presença da imprensa, e o evento foi transmitido apenas pelos canais oficiais.
Lula também alertou, diante de delegações da Europa e EUA, que "a história nos ensinou que a democracia não pode ser imposta". "Sua construção é própria de cada povo e de cada país", afirmou, sem fazer referências a nenhum país.
Mas foi Gabriel Boric, presidente do Chile, quem gerou surpresa ao criticar as esquerdas por não se posicionarem abertamente contra as violações de direitos humanos cometidas por líderes supostamente de esquerda.
"As forças progressistas se veem fragilizadas quando titubeiam", disse, sinalizando que apoios ou condenações dependem das "cores políticas ou princípios".
"Veja o que fez a direita. Quando houve tentativa de golpe de Estado no Brasil e nos EUA, a direita mundial foi ambígua. O argumento é que os movimentos progressistas não era claros quando outras violações de direitos humanos ocorriam, às vezes, por aliados ideológicos."
"As violações de direitos humanos não podem ser julgadas pela cor do ditador ou presidente que os viola. Seja Maduro ou Netanyahu. Que se chame Daniel Ortega ou Putin, seja como se definam. Temos de defender princípios", disse Boric.
O Chile passou a condenar de forma explícita o governo de Nicolás Maduro e, nos bastidores, tem criticado a postura do governo brasileiro de não ser mais duro contra o regime em Caracas.
Ainda assim, Boric se colocou à disposição para sediar uma cúpula mundial de lideranças progressistas. "Temos que defender princípios", disse, num recado contra partidos políticos que optam por defender ideologias. "Por vezes, falhamos. Não temos a mesma régua para julgar", criticou.
Boric sequer ficou até o final do encontro, argumentando que teria de estar na Assembleia Geral da ONU.
Momentos depois, o chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, defendeu a postura de Boric e falou em "coerência".
Já Pedro Sánchez, presidente do governo da Espanha e copatrocinador do evento, defendeu que a reunião seja apenas a primeira de uma resposta contra a "onda reacionária". "Não são fenômenos isolados. É algo transnacional", disse.
"A proposta é que essa seja a primeira de outras reuniões que ocorram de forma sistemática para coordenar uma resposta global a um fenômeno global", defendeu Sanchez, que pediu que a resposta das democracias ocorra "com a mesma energia" que a extrema direita usa para "tentar sufocar a democracia".
EUA citam invasão russa, abusos de direitos humanos e corrupção como ameaças à democracia
O governo dos EUA enviou um subsecretário, que alertou que as ameaças às democracias são "internas e externas". Para o representante da Casa Branca, Joe Biden convocou três cúpulas da democracia e citou como ameaças a invasão da Ucrânia pela Rússia, a atuação de atores internacionais contra sistemas eleitorais de democracias, abusos de direitos humanos e corrupção, além de extremismo online e marginalização de pessoas.
Emmanuel Macron, presidente da França, chegou depois do encontro começar e defendeu a criação de um órgão público de regulação digital. O francês optou por defender a inclusão na agenda internacional de um debate e ação contra a manipulação e disseminação de desinformação. "Precisamos regular as coisas de melhor forma e tentativas de identificar atores que disseminam o ódio", disse.
Em seu discurso, ele alertou sobre o impacto da globalização. "Os extremismos estão aumentando", sem fazer distinção entre a esquerda e direita. Domesticamente, o que é chamado de "macronismo" tem como adversário não apenas a extrema direita, mas também o movimento de Jean-Luc Melenchon e qualificado por Macron como "extrema esquerda".
Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, alertou que são esses movimentos que usam tecnologia para disseminar desinformação. "Rezo para que não tenhamos de passar por uma nova guerra mundial para dizer que o errado é errado", afirmou.
Falaram também no evento Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, Xanana Gusmão, primeiro-ministro do Timor Leste, além de representantes do Quênia, México e Cabo Verde.
O que disse Lula sobre democracia
"É inegável que a democracia vive hoje seu momento mais crítico desde a 2ª Guerra Mundial. No Brasil e nos Estados Unidos, forças totalitárias promoveram ações violentas para desafiar o resultado das urnas. Na América Latina, as notícias falsas corroem a confiança e afetam os processos eleitorais. Na Europa, uma mistura explosiva de racismo, xenofobia e campanhas de desinformação coloca em risco a diversidade e o pluralismo", disse Lula.
"Compreender por que a democracia se tornou alvo fácil para a extrema direita e suas falsas narrativas é um desafio compartilhado. O extremismo é sintoma de uma crise mais profunda, de múltiplas causas", insistiu.
Alfinetada indiretas de Lula a Musk
Durante a reunião, o presidente fez questão de destacar a questão das redes sociais, ainda que não tenha tocado no nome de Elon Musk. "As redes digitais se tornaram um terreno fértil para os discursos de ódio misóginos, racistas, xenofóbicos que fazem vítimas todos os dias", disse.
"Nenhuma empresa de tecnologia ou indivíduo, por mais ricos que sejam, podem se considerar acima da Lei. Elas precisam ser responsabilizadas pelo conteúdo que circulam", disse, numa referência que costuma usar contra Musk.
"As tecnologias digitais ajudam a promover e difundir o conhecimento, mas também agravam os riscos à convivência civilizada entre as pessoas", afirmou.
"A liberdade de expressão é um direito fundamental e um dos pilares centrais de uma democracia sadia, mas não é absoluta. Encontra seus limites na proteção dos direitos e liberdades de outros, e da própria ordem política", completou.
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