Jamil Chade

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Mergulhei na campanha de Trump e constatei que a mentira já venceu

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Há poucas semanas, no debate presidencial nos EUA, o mundo foi pego de surpresa diante da mentira contada por Donald Trump de que imigrantes estariam comendo animais de estimação de americanos. Se parte da indignação se referia à desinformação explícita, o que mais me deixou atônito foi a capacidade de o republicano de não piscar ao mentir e de ter, entre seus aliados, uma operação organizada para confirmar sua versão dos fatos.

Minha decisão, a partir daquele momento, foi de passar a acompanhar o noticiário da eleição nos EUA também pelos canais da extrema direita americana, tanto na internet como em outras plataformas, que não disfarçam sua preferência por Trump.

E o que eu descobri é que, para milhões de americanos, o que existe é uma realidade paralela, sem qualquer compromisso com os fatos. Sim, essa é a forma de consumo de notícias também em outros países, contaminados pela extrema direita e seus movimentos sem qualquer ética.

A cada dia, por semanas, decidi que ficaria pelo menos duas horas assistindo às campanhas de desinformação por parte da ala mais radical de Trump.

O resultado é uma mistura de deboche contra opositores, difusão de teorias da conspiração, mentiras explícitas, ofensas e um princípio: jamais verificar com os atores envolvidos se aquela suposta notícia é verdadeira ou não.

Na rede Fox News, por exemplo, os democratas já deixaram de ser tratados como um partido político tradicional da história capitalista americana. Nos subtítulos ou chamadas na tela, a referência ao partido e apoiadores de Kamala Harris é simples: "a esquerda".

Martelando sobre os americanos a ideia de que democratas e comunistas seriam a mesma coisa, a campanha de Trump ainda coloca em questão se houve de fato uma tentativa de golpe quando apoiadores do republicano invadiram o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Trump chegou a falar em "dia do amor" ao se referir aos fatos que abalaram a democracia americana, enquanto seus aliados incrementaram a narrativa de que, de fato, Biden jamais venceu a eleição.

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A democracia, segundo a versão da imprensa que defende Trump, é uma bandeira dos republicanos e os "verdadeiros golpistas" são os democratas.

Quem assiste ainda às redes de apoio a Trump também descobre que os candidatos republicanos estão "mais armados" que os democratas. Literalmente. Na semana passada, o candidato a vice-presidente, Tim Walz, foi alvo de ironias por conta de sua incapacidade de atirar.

A narrativa é repleta de misoginia, com Kamala Harris sendo qualificada de "não muito inteligente" e com ironias até mesmo sobre como ela gargalha.

Trump e seus aliados não perdem a oportunidade de chamar a imprensa tradicional de "corrupta". Mas, nas redes sociais, não faltam ainda fotos criadas por Inteligência Artificial mostrando Trump ao lado de eleitores negros, na esperança de incentivar os jovens afro-americanos a migrar para o voto republicano. Em nenhum lugar há a informação de que mais de 75% dos negros americanos estão ao lado da democrata.

As conspirações também estão presentes. Na plataforma X, circula a suposta notícia de que Joe Biden estaria facilitando o voto de imigrantes irregulares. Sem qualquer tipo de prova, a Fox News passou a divulgar que, em 49 estados, o registro para o voto não exige que provas por parte do indivíduo sobre seu status no país.

Impactante ainda foi a avalanche de desinformação durante os furacões Helene e Milton, que atingiram diferentes estados norte-americanos. Os eventos climáticos deixaram mais de 200 mortos. Mas, na campanha de Trump, o foco foi o anúncio de que o governo de Joe Biden estaria desviando recursos para o socorro às vítimas para programas de assistência a imigrantes.

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Numa avaliação realizada pelo Escritório do Diretor de Inteligência Nacional, o alerta aos americanos era claro: as próximas semanas serão marcadas por uma ofensiva sem precedentes de desinformação, inclusive com a ajuda de países estrangeiros.

Ao longo de décadas, Trump alimentou jornalistas americanos com informações sobre seus negócios, casamentos e projetos. Seu conhecimento do funcionamento da imprensa o transformou num dos maiores influenciadores da opinião pública americana. Mas, agora, o que está sendo testada é a democracia dos EUA a partir de uma campanha de desinformação que caminha sem qualquer constrangimento ou fronteiras.

Uma vez mais, numa democracia, a desinformação venceu.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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