Líder europeia viaja à cúpula do Mercosul e acordo 'histórico' fica próximo
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já está no Uruguai, num sinal de que o acordo entre a UE e o Mercosul poderia ser anunciado entre quinta-feira e sexta-feira. O pacto, que levou 25 anos para ser negociado, prevê a abertura de mercados e uma aliança estratégica entre os dois blocos. Para negociadores de ambos os lados, um tratado seria "histórico" e de grande peso geopolítico, ainda que abaixo das expectativas dos exportadores sul-americanos.
Diplomatas consultados pelo UOL confirmaram que Von der Leyen havia avisado que apenas embarcaria se a chance de um entendimento fosse praticamente certa. Sua viagem, portanto, eleva a perspectiva de que um anúncio seja feito nas próximas horas.
Nas redes sociais, elas confirmou que já havia desembarcado na manhã desta quinta-feira. "A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está próxima. Vamos trabalhar e cruzá-la", disse. "Temos de criar um mercado de 700 milhões de pessoas", afirmou. Segundo ela, trata-se da "maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu".
Do lado do Mercosul, os quatro países fundadores do bloco já chegaram a um entendimento e aceitam o texto do acordo comercial com a União Europeia, numa rara posição comum adotada tanto por Luiz Inácio Lula da Silva como Javier Milei.
O palco para o anúncio do acordo está montado: a cúpula do bloco que começa nesta quinta-feira, em Montevidéu. Von der Leyen tem previsto uma reunião com o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, ainda hoje.
Entre os diplomatas, o colapso de negociações ao longo dos anos levou governos a adotar um tom de cautela desta vez. "Já estivemos muito próximos em outras ocasiões", afirmou um experiente embaixador. Negociadores, porém, admitem que nunca o pacto esteve tão próximo como agora.
Bolsonaro havia fechado acordo, mas com poucos ganhos
Durante o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, o Mercosul e a UE chegaram a fechar um entendimento. Tanto o brasileiro como o então presidente da Argentina, Maurício Macri, queriam dar sinais de que suas políticas externas davam resultados. Naquele acordo, porém, o Brasil cedeu em alguns dos aspectos mais estratégicos, como a abertura do setor de saúde e educação em compras governamentais.
Lula, em 2023, decidiu realizar uma revisão e exigiu mudanças no tratado. Assim, conseguiu excluir do pacto a abertura das licitações do SUS, preservando a indústria nacional de remédios. Áreas sociais também foram excluídas.
Um impasse ainda ficou estabelecido diante da exigência por parte dos europeus sobre critérios ambientais.
Pressões opostas na UE
Na terça-feira, o governo alemão insistiu que havia chegado o momento de um acordo. "A cúpula do Mercosul na sexta-feira em Montevidéu é provavelmente a última oportunidade para isso, e finalizar (o acordo) agora seria uma vitória para ambas as partes. O Presidente da Comissão tem um mandato completo para fazer isso e deve, em nossa opinião, usá-lo adequadamente", disse a Ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock.
Na Espanha, o governo indicou que seria um "grave erro" não assinar o pacto nesta semana.
Mas a resistência também vem da Itália. O chefe da diplomacia de Roma, Antonio Tajani, afirmou nesta quarta-feira que seu país ainda quer mudanças no capítulo sobre agricultura para poder aceitar o entendimento. Na Holanda e Polônia, os respectivos parlamentos votaram contra a aprovação do tratado.
O colapso do governo da França, com o voto de censura do Parlamento, pode ser um complicador. Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro Michel Barnier foi derrubado e, agora, Emmanuel Macron, terá de encontrar um novo chefe de governo. A crise, porém, é profunda.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPelas regras da UE, o poder de negociar é da Comissão, e não dos governos isoladamente.
Longo período para entrar em vigor
Concluir o acordo, porém, não significa que ele entraria em vigor imediatamente. O tratado terá de passar pelo Conselho da Europa e pelo Parlamento Europeu.
A previsão do governo brasileiro é de que essa etapa vai exigir um processo intenso de convencimento por parte do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente para atrair para o pacote países como a França e Polônia, altamente protecionistas.
Sozinho, o governo de Emmanuel Macron não tem votos para garantir um bloqueio ao acordo. Mas não é apenas seu voto no Conselho da Europa que é considerado. Paris acredita que, sendo a maior potência militar de um continente que enfrenta uma guerra, o governo francês teria uma voz poderosa numa barganha com a Comissão Europeia e com os demais países.
Além disso, o grande promotor do acordo, a Alemanha, vive uma situação crítica de seu governo, que pode ter de convocar eleições antecipadas. A fragilidade de Olaf Scholz não ajuda na busca por um entendimento.
Acordo comercial modesto, mas forte impacto geopolítico
Pelo acordo, o mercado europeu seria aberto para alguns dos principais produtos de exportação do setor agrícola nacional, como carnes, açúcar e etanol. Mas o pacto não prevê uma liberalização completa do comércio. Cada um dos setores terá uma cota específica. No caso das carnes, ela não passa de 60 mil toneladas com livre acesso sem tarifas.
Hoje, o volume de exportação brasileira de carnes para a UE é menor que a venda do Brasil para a Arábia Saudita.
O acordo entre Mercosul e UE, porém, teria um impacto geopolítico importante, num momento em que Donald Trump insiste em uma agenda comercial protecionista.
Um novo adiamento do acordo entre Mercosul e UE pode ainda dar força ao pleito da Argentina de pedir que as regras fundadoras do bloco sejam abandonadas. Milei quer o direito de negociar acordos comerciais com quem bem entender, sem ter de esperar por um entendimento regional.
Se isso for aprovado, a tarifa externa comum do Mercosul seria enterrada e a ideia de uma união aduaneira encerrada.
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