Jamil Chade

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Reportagem

Acordo Mercosul-UE prevê punição por violar pacto do clima ou democracia

O acordo entre Mercosul e União Europeia estabelece a suspensão do pacto caso alguma das partes viole o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas ou mesmo promova uma ruptura democrática. Mas o governo brasileiro conseguiu adiar a abertura do seu mercado de automóveis, que estará livre de tarifas apenas em 30 anos. Setores estratégicos que tinham sido abertos no governo de Jair Bolsonaro foram preservados.

Fechado na semana passada depois de 25 anos de negociações, o texto do acordo apenas está sendo divulgado nesta terça-feira no site da União Europeia e pelo governo brasileiro.

A publicação revela que o Itamaraty conseguiu desfazer concessões dadas por Jair Bolsonaro durante as negociações em 2019, preservando setores da economia nacional. Naquele ano, o ex-presidente ordenou que o pacto com a Europa fosse acelerado para que um anúncio fosse feito. No processo, abriu mão da proteção no setor automotivo, minérios e segmentos estratégicos como saúde e educação.

Pelo novo acordo, o Mercosul ganha um período maior para abrir seu mercado aos bens europeus.

O pacto, ainda assim, terá um longo caminho para entrar em vigor, com a aprovação pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu. França, Polônia, Itália e Holanda insistem que não vão aceitar o pacto.

O acordo foi comemorado no governo brasileiro como uma vitória diplomática, principalmente diante da retirada do texto final de concessões que tinham sido feitas pelos negociadores de Jair Bolsonaro, ainda em 2019.

Acordo de Paris e democracia como exigência

Mas, segundo os documentos liberados pela UE, o acordo inova em diversos aspectos. Um deles se refere aos temas ambientais, ainda que entidades como Greenpeace alertem que as medidas de proteção não são suficientes e que o acordo ameaça ampliar o desmatamento.

No texto do tratado, os blocos admitem que "a ameaça global da mudança climática exige a mais ampla cooperação possível de todos os países para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa e se adaptar aos efeitos adversos da mudança climática de uma maneira que não ameace a produção de alimentos, com os países desenvolvidos continuando a assumir a liderança".

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O texto fala em cooperação para que o Acordo de Paris seja implementado por todos. Mas o documento aprovado abre as portas para que o tratado comercial seja suspenso caso um dos lados viole seus compromissos climáticas.

O acordo é uma espécie de seguro contra uma eventual retirada do Acordo de Paris por parte do governo de Javier Milei ou um futuro governo brasileiro que opte por abandonar o controle na Amazônia.

Caso dados sejam apresentados mostrando as violações, um dos lados pode convocar reuniões de emergência para examinar as provas.

O Mercosul também poderá fazer isso, caso os níveis de emissões de gás dos europeus ultrapassem os compromissos ou caso a ajuda financeira prometida não ocorra.

A ideia é de que haja um período de consulta, justamente para evitar que a Europa use o argumento ambiental como uma justificativa para o protecionismo. Mas, se não houver entendimento, um dos lados pode suspender temporariamente, parcialmente ou por completo o acordo de livre comércio.

No mesmo texto, fica estabelecido que o outro lado poderá "tomar as medidas apropriadas" caso o parceiro comercial viva uma situação de golpe de estado ou violações de direitos humanos.

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Pelo documento acertado, fica acordado que:

Se uma das partes considerar, com base na situação de fato, que a outra parte cometeu uma violação das obrigações descritas como elementos essenciais no artigo que diz respeito aos princípios democráticos, direitos humanos e liberdades fundamentais, no Acordo de Paris ou sobre armas de destruição em massa, ela poderá tomar as medidas apropriadas.

Na prática, se um golpe de estado foi promovido no Brasil, a UE teria o direito de suspender o acordo ou interromper o pacto.

Compensações

Ainda no aspecto ambiental, o Brasil conseguiu incluir no acordo um mecanismo de compensações das vantagens comerciais dadas a um lado ou outro. O temor do Mercosul é de que as novas leis ambientais europeias suspendam o acesso que o bloco conseguiu para seus produtos agrícolas.

Se ficar claro que novas leis aprovadas por um dos blocos anulará o livre comércio, o parceiro terá direito de elevar tarifas para outros produtos, num mecanismo de compensação.

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Carros elétricos e mercado com proteção por 30 anos

De acordo com o governo brasileiro, uma das principais conquistas dos negociadores foi retardar a abertura do mercado de carros no Brasil. Se o pacto fechado no governo de Jair Bolsonaro previa o livre comércio em 15 anos, o novo acordo amplia o prazo para 30 anos.

Mas o destaque do texto é o incentivo dado aos carros elétricos da Europa. Assim que o tratado entrar em vigor, esses veículos terão uma redução de tarifas de 29%. Na prática, o Brasil passará a cobrar impostos de 25% sobre o carro europeu.

A desgravação será mais acelerada que para os demais veículos. 15 anos depois da entrada em vigor do tratado, os carros elétricos europeus entrarão no Mercosul pagando apenas 5% de impostos. Aos 18 anos, entrarão sem qualquer taxação.

Para o restante da frota, porém, a proteção para a produção do Mercosul durará 30 anos. Um carro à gasolina apenas entrará no Brasil livre de tarifas ao final de 29 anos da entrada em vigor do tratado.

Por seis anos, nenhuma modificação será implementada e a indústria nacional continuará a contar com a proteção atual.

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Segundo o governo brasileiro, "foi estabelecido um mecanismo inédito de salvaguardas para veículos". "Caso haja um surto de importações da União Europeia que cause dano à indústria, o Brasil pode suspender o cronograma de desgravação de veículos ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje, de 35%) por um período de 3 anos, renovável por mais 2 anos, sem necessidade de oferecer compensação à União Europeia", explicou.

A avaliação levará em conta parâmetros como o nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação da capacidade do setor automotivo.

Agro e etanol

O pacote também prevê o acesso livre de tarifas para 99 mil toneladas de carne bovina exportadas pelo Mercosul. No novo acordo, ficou ainda previsto uma cota adicional de 1.500 toneladas à carne de porco do Paraguai em razão de sua condição de país em desenvolvimento sem acesso ao mar.

No setor do etanol, uma cota adicional de 50.000 toneladas foi concedida ao Paraguai devido à sua condição de país em desenvolvimento sem acesso ao mar.

Também fica estipulado a seguinte lista de cotas para exportação do Mercosul:

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  • Carne de aves: 180 mil toneladas
  • Carne suína: 25 mil toneladas
  • Açúcar: 180 mil toneladas
  • Etanol: 450 mil toneladas de etanol industrial

SUS preservado

O texto prevê uma abertura do mercado de compras governamentais para as empresas europeias. Mas, por uma insistência do governo Lula, não haverá a mesma facilidade para empresas que queiram disputar os contratos do SUS. O motivo é a tentativa do Brasil de reduzir o déficit na balança comercial de produtos médicos e reduzir a dependência no setor de remédios.

A UE admite que "concedeu ao Brasil algumas flexibilidades, mas em troca de uma cobertura "substancial adicional de compras públicas em nível subfederal". Assim como o Brasil, a UE também excluiu o setor de saúde.

Minérios

O acordo também prevê a abertura do mercado europeu para matérias-primas brasileiras, entre elas: níquel, cobre e alumínio. Mesmo que o Brasil decida impor tarifas para exportação, num esforço de impedir que os produtos saiam do país, essas taxas serão apenas metade para os europeus.

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Com a concorrência chinesa, o acerto com o Mercosul foi considerado estratégico para a UE.

Segundo o governo brasileiro, os negociadores garantiram "o direito de aplicar restrição às exportações de minerais críticos, caso julgue apropriado". "Nesse caso, a alíquota aplicável à UE deverá ser reduzida em comparação à incidente sobre outros destinos. O pré-acordo adotado em 2019 proibia qualquer incidência de direito às exportações no comércio entre Brasil e União Europeia", afirmou, numa crítica ao pacto estabelecido por Bolsonaro.

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