Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Xenofobia e racismo são marcas de uma escravidão inconclusa
A história do trabalho no Brasil começa pela escravidão. Foram 388 anos de trabalho escravo legalizado. Este dado não pode ser ignorando diante de uma sociedade que carrega marcas violentas nas relações trabalhistas. A exploração de corpos negros, mestiços e periféricos transformou-se numa regra. A cultura servil cultuada e mantida pela classe média ainda se alimenta dos resquícios da escravidão.
É possível pensarmos que a naturalização das desigualdades é combustível para que casos como os das vinícolas se tornem comuns. Na semana passada, a PRF resgatou mais de 200 pessoas em situação análoga a escravidão, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. As condições dos alojamentos, segundo os policiais, eram degradantes, além de relatos de violência física, humilhações e jornadas exaustivas de trabalho.
Os casos de mulheres negras, por exemplo, mantidas em cárcere privado por anos, tem se proliferado. Tais flagrantes revelam uma persistência nas relações de trabalho ainda herdeiras do processo escravagista e que, de certo modo, ainda norteiam uma ideologia colonialista. Uma ideologia muito presente na fala racista e xenofóbica do vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel (Patriota).
No entanto, além do teor nefasto, há algo mais que chama a atenção na fala do vereador, ao dizer que vai dar um conselho: "não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos criar uma linha e vamos contratar os argentinos, porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palmas". Percebam que o método de exploração aqui trata trabalhadores como meros objetos e que podem ser substituídos por uma mão de obra vinda de outro país. Ou seja, no momento em que esses homens se insurgem contra a degradação e a violência, devem ser rapidamente substituídos, como máquinas ou simples peças de substituição. Isto é, a fala do vereador revela todo processo de desumanização que só é possível dentro de uma estrutura racista e xenofóbica.
Embora esses casos mais emblemáticos nos revelem de maneira mais explicita os processos de exploração, é preciso ter em mente que os mecanismos de dominação simbólica estão presentes mesmo no trabalho legalizado. Lembro, por exemplo, quando trabalhava como Call Center numa empresa, e tínhamos que bater metas de atendimento para melhorar os números. Nosso estímulo, além do receio da demissão, era o de ganhar brindes: bonés, canecas ou camisetas com o logo da empresa. Além disso, todos nós éramos estimulados a competir para ver quem seria o funcionário do mês.
O curioso é que nesse sistema de exploração, por meio da recompensa e da ameaça velada, cria-se uma imposição objetiva de naturalização da própria exploração. Em outras palavras, o trabalho, nesse sentido, encontra formas de dominação mais sofisticadas e disfarçadas de meritocracia para, no fim das contas, exercer um tipo de exploração que carrega heranças escravagistas, pois se pela legalidade não é possível castigar pelo chicote ou pela privação de liberdade, o modo mais eficaz de exploração se dá pela colonização do tempo. No mundo do trabalho na modernidade, o tempo não nos pertence. A questão é que não nos damos conta disso. Assim, naturalizar este método permite ao mercado não só potencializar a exploração, mas também tornar os resquícios escravagistas invisíveis.
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