Demissões tardias não encerram perversão do 'camburão de gás'
Com mais de um ano de atraso, foram colocados no olho da rua os três agentes da Polícia Rodoviária Federal que mataram Genivaldo de Jesus Santos em maio do ano passado. Coube ao ministro Flávio Dino (Justiça) anunciar a demissão dos policiais que enfiaram o jovem negro numa câmara de gás improvisada na traseira de um camburão, nos fundões de Sergipe. A providência marca uma reconciliação tardia do Estado com o bom senso. Mas está longe, muito longe de encerrar o caso.
Além das demissões o episódio exige indenização à família do morto e sentenças condenatórias contra os policiais rodoviários Paulo Rodolpho Lima Nascimento, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas. Os três mataram Genivaldo ao abordá-lo numa blitz por conduzir uma moto sem capacete. Observados por uma multidão e pelas câmeras dos celulares que gravaram as cenas, os agentes renderam o infrator, meteram-no num camburão sob xingamentos e jogaram sobre ele uma bomba de gás lacrimogênio. Na fase letal, a tortura que levou à asfixia durou 11 minutos e 27 segundos.
Em 6 de janeiro, dias depois de assumir a pasta da Justiça, Flávio Dino disse ter determinado que a família de Genivaldo fosse indenizada. Reconheceu a responsabilidade do Estado pela morte. Decorridos oito meses, a reparação financeira ainda não foi paga. A Advocacia-Geral da República regateou valores. No final de março, questionou a legitimidade da união do morto com a viúva.
A AGU deu de ombros para um entendimento firmado entre a companheira e a mãe de Genivaldo para dividir solidariamente a indenização. Há três dias, a Justiça Federal de Sergipe reconheceu Maria Fabiana dos Santos como viúva de Genivaldo. E nada de indenização. É como se o Estado desejasse estender a tortura aos familiares do morto.
No início de abril, o Ministério Público Federal pediu à Justiça que condene a União a pagar R$ 128 milhões em indenizações pela execução de Genivaldo. Nada a ver com a família. O dinheiro seria destinado a um fundo de políticas sociais antirracistas a título de reparação do "dano moral coletivo" imposto à população negra e do "dano social" infligido a toda sociedade brasileira.
Em janeiro, na mesma época em que Flávio Dino disse que o Estado indenizaria a família de Genivaldo, o juiz Rafael Soares Souza, da 7ª Vara Federal em Sergipe, determinou que os três policiais encrencados no crime fossem julgados por um júri popular. Responderão pelos crimes de tortura e homicídio triplamente qualificado. Não há data para o julgamento.
Considerando-se a qualidade das provas e a lentidão da Justiça, a União deveria ajuizar imediatamente uma ação civil para exigir dos futuros condenados o ressarcimento pelas indenizações que ainda não pagou.
Com toda a demora as demissões e as consequências ainda emperradas na burocracia representam um notável avanço civilizatório se comparadas ao comportamento adotado por Bolsonaro. Instado a comentar o assassinato do motoqueiro, o capitão insinuou, após participar de motociata na qual desfilou impunemente sem capacete pelas ruas de Foz do Iguaçu, que os policiais não tiveram a intenção de cometer o crime.
"Eles queriam matar?", perguntou Bolsonaro. "Eu acho que não queriam matar. Eles queriam imobilizar o cara." Defendeu uma "justiça sem exageros", pois a mídia, quando pressiona, sempre escolhe "o lado da bandidagem".
Hoje, Bolsonaro responde por crimes variados —de incitação do golpe ao roubo de joias. O pior excesso que a Justiça poderia cometer com Bolsonaro seria o excesso de moderação.
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