Josias de Souza

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Opinião

Conquistado pela PF, silêncio fez de Bolsonaro um ex-Bolsonaro

Durante quatro anos, Bolsonaro cultivou no Planalto um velho hábito: falava dez vezes antes de pensar. A loquacidade produziu poderes mágicos. O capitão tirava gambás da cartola. Crises monumentais apareceram do nada. Crises que entraram pequenas no gabinete presidencial, saíram maiores. Retirado do Poder, Bolsonaro continuou apostando na tese segundo a qual melhor do que uma crise, só duas crises. De repente, a Polícia Federal obteve um feito que muitos tentaram, mas ninguém jamais conquistou: o silêncio de Bolsonaro.

O silêncio obtido pela PF não é um silêncio qualquer. Nenhum outro silêncio é mais denso do que o silêncio de um suspeito. O silêncio exibido por Bolsonaro durante o que seria o seu quinto interrogatório soou como aquela falta de ruído que acontece quando um investigado precisa de tempo para ouvir o barulho produzido por um cúmplice que decidiu colaborar com os investigadores.

Bolsonaro arrastou para a tática do silêncio Michelle e outros suspeitos que seriam inquiridos simultaneamente sobre o caso das joias. Mas o tenente-coronel Mauro Cid, que já havia falado à polícia durante 16 horas desde a última sexta-feira, continuou falando nesta quinta. Para complicar, o general Lourena Cid, pai do ex-faz-tudo, também falou.

Sem saber a extensão do estrago produzido pela colaboração do seu ex-ajudante de ordens, Bolsonaro entregou-se aos conselhos dos advogados. Numa petição constrangedora, informou que só falará "diante de um juiz natural competente". Escorando-se num parecer da vice-procuradora bolsonarista Lindôra Araújo, que já foi rejeitado pelo Supremo, alegou que os autos sobre as joias precisam descer para 6ª Vara Federal de Guarulhos. Uma instância que já declinou da competência em favor da Suprema Corte.

O direito constitucional dos investigados à mudez está regulamentado no artigo 198 do Código de Processo Penal. Ali, está escrito que "o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz."

Chama-se Alexandre de Morais o magistrado que conduz Bolsonaro na sua excursão pelo purgatório que antecede o inferno de uma condenação criminal. Pobre do investigado que, não tendo nada a dizer em sua defesa, se abstém de demonstrá-lo com palavras. Juridicamente, o capitão se autoconverteu num réu indefeso. Politicamente, Bolsonaro virou um ex-Bolsonaro.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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