Josias de Souza

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Opinião

Lipoaspirada, lei ônibus de Milei é aprovada como micro-ônibus

Javier Milei saiu do primeiro grande teste legislativo do seu governo menor do que gostaria. Pretendia se autoconceder poderes excepcionais, atropelando prerrogativas do Congresso da Argentina com um projeto apelidado de "lei ônibus". Após uma maratona de três dias de debates, a Câmara dos Deputados converteu a proposta de Milei numa espécie de micro-ônibus. Dos 664 artigos incluídos no texto original, restaram 386. A lipoaspiração reduziu as pretensões do novo presidente em 41,8%.

Emagrecido, o projeto de Milei prevaleceu por 144 votos a 109, apenas 15 votos além do mínimo necessário. Festejada pela Casa Rosada como um grande feito, a vitória parcial mostrou que o triunfo recém-obtido na corrida presidencial não concedeu ao eleito o pretendido cheque em branco. Filiado a um partido minoritário, o La Libertad Avanza, com exíguos 15% dos assentos das duas Casas do Legislativo, Milei viu-se compelido a fazer concessões que submetem seu ultraliberalismo a um choque de realidade.

O "ônibus" de Milei transportava uma declaração de "emergência pública" que atribuía ao presidente "poderes extraordinários" para tomar decisões solitárias, sem consultas ao Legislativo, em setores vitais como o financeiro e o de segurança. Nessa versão, Milei atribuía a si mesmo poderes para administrar o país à margem do Congresso por dois anos, prorrogáveis automaticamente por mais dois. Ou seja: governaria como bem entendesse durante todo o mandato.

No micro-ônibus, os temas emergenciais foram reduzidos em mais da metade. Foram integralmente passadas na borracha, por exemplo, as reformas eleitoral e fiscal de Milei. Suprimiram-se parcialmente pretensões do presidente em áreas como a trabalhista, o imposto de renda e o reajuste das aposentarias.

O prazo de validade dos poderes excepcionais concedidos a Milei caiu para um ano. Os deputados admitiram esticar o salvo-conduto presidencial por mais um ano. Mas a prorrogação está condicionada à aprovação prévia do Congresso. Quer dizer: se exagerar no voo livre, Milei pode ter as asas podadas pelos parlamentares ao final dos primeiros 12 meses de gestão.

As concessões foram vistosas também no trecho do projeto dedicado às privatizações. Na primeira versão, 47 empresas estatais da Argentina poderiam ser fechadas ou transferidas à inciativa privada. No texto aprovado, as companhias sujeitas à desestatização foram reduzidas a 27. Excluiu-se da lista, por exemplo, a mais vistosa joia da coroa: a estatal petrolífera YPF, Yacimientos Petrolíferos Fiscales.

A despeito os recuos impostos a Milei, o jogo ainda não está jogado. Em sessão marcada para a próxima terça-feira, os deputados discutirão artigo por artigo. Significa dizer que o projeto ainda pode sofrer ajustes antes da definição da redação a ser submetida ao Senado. Ali, Milei travará nova batalha. O debate ocorre contra um pano de fundo conturbado.

Nesta sexta-feira, os fogos de Milei foram, por assim dizer, abafados pelo alarido do asfalto. Do lado de fora do Legislativo, protestos iniciados na quarta-feira resultaram em dezenas de feridos. Entre eles 32 jornalistas e sete policiais que compunham a tropa incumbida de colocar em prática um "protocolo antipiquetes". Coisa editada por Milei no alvorecer do novo governo a pretexto de impedir que a oposição extra-congressual bloqueasse ruas.

Dizer que Milei obteve pouco da Câmara não faria justiça ao resultado parcial da apreciação do seu pacote de reformas. Mas o êxito é bem inferior ao que desejava o presidente recém-empossado. Em nota oficial, a Casa Rosa agradeceu a "colaboração dos senhores deputados".

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Num timbre que destoa do ronco da motosserra que Milei prometia acionar contra a "casta" legislativa, o texto da Presidência abandonou a estridência da campanha eleitoral: "Esperamos contar com a mesma grandeza no dia da votação específica da lei, para que ela avance para o Senado e comecemos a devolver a dignidade ao povo argentino." É como se Milei, tomado pela moderação momentânea, acenasse para os congressistas como um ex-Milei.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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