Josias de Souza

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Opinião

Primitivismo orgulhoso e com votos ganha poder na Câmara

O Congresso Nacional oscila entre o progresso e o retrocesso. Na eleição de 2022, o pêndulo foi cruel com o país. Submetidas a uma conjuntura tóxica, as urnas enviaram para Brasília um dos legislativos mais primitivos da história republicana. Nesta semana, o primitivismo foi alçado ao comando de algumas das principais comissões da Câmara.

No caso mais dramático, a precariedade histriônica do deputado Nikolas Ferreira foi premiada com a presidência da Comissão de Educação. Mas essa não foi a única temeridade. A imprudência perdeu o recato.

Entregou-se a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Casa, à deputada Caroline Toni. Trata-se de uma outra ilustre habitante do mundo da Terra Plana, crítica voraz da legitimidade da Suprema Corte.

A Comissão de Segurança Pública caiu nas mãos do ex-policial Alberto Fraga, ardoroso defensor do armamentismo. A Comissão da Família será chefiada pelo pastor Eurico, que ganhou notoriedade como relator de projeto que proíbe a união homoafetiva.

Segundo o Dicionário de Política de Norberto Bobbio, o conceito de conservadorismo foi incorporado ao universo político no século 18, em oposição às mudanças propostas pelo iluminismo.

Num regime democrático, há espaço para conservadores. Mas o que se vê na Câmara é outra coisa. Assiste-se à ascensão de um pelotão primitivo, orgulhoso, mobilizado e com votos -uma oposição raivosa e dissociada da racionalidade crítica.

A distribuição das comissões segue a lógica da proporcionalidade. Os partidos exercem a preferência da escolha conforme o número de deputados. O PL de Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, abrigo preferencial do arcaísmo, é a maior bancada da Câmara. Selecionou os seus piores quadros.

O PT, segunda maior bancada, também fez suas escolhas. Poderia ter evitado que a Educação caísse nas mãos de Nikolas, uma caricatura transfóbica de peruca loira. Mas optou pela Saúde, na ilusão de que conseguirá blindar a ministra Nísia Trindade das rasteiras do centrão.

Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, queixa-se de um suposto corpo mole de Arthur Lira. Insinua que o imperador favoreceu a oposição bolsonarista, abstendo-se de guerrear pela qualificação das escolhas do PL. Finge não notar que o avanço do atraso convém a Lira.

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Numa Câmara em que a esquerda soma algo como 130 votos, o Planalto fica ainda mais refém do dinheirismo do centrão. O preço da governabilidade aumentou.

De resto, deve-se recordar que a opção preferencial da Câmara pelo temerário conta com o aval do eleitor. Não há marcianos no Legislativo. Nikolas Ferreira, por exemplo, foi o deputado mais votado da eleição passada. São cumplices da sua ascensão 1.484.428 eleitores de Minas Gerais.

Nas urnas de 2022, o léxico foi submetido a usurpações abjetas. Alguns vocábulos como que perderam o sentido. Eleição virou sinônimo de loteria sem prêmio.

Democracia tornou-se um outro nome para regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria.

Considerando-se que a campanha política é como um bandejão, no qual não se pode escolher senão o que está na bandeja, o eleitor da era da polarização foi convertido num indivíduo condenado a optar entre o lamentável e o impensável.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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