No melhor estilo Chacrinha, PEC sobre drogas veio para confundir
Ao aprovar a proposta de emenda à Constituição sobre drogas, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado mimetizou o melhor estilo de Abelardo Barbosa, reeditando o célebre bordão do Chacrinha: "Eu não vim pra explicar. Vim pra confundir." Não vai funcionar.
Abelardo criou o seu personagem para fazer graça. A imitação do Senado é um flerte irresponsável com a desgraça. Uma lei antidrogas aprovada pelo Congresso em 2006 criminalizou o tráfico e o consumo de drogas. Mas fixou distinção entre traficante e usuário. Estabeleceu que quem é flagrado com drogas para "consumo pessoal" deve ser punido com penas alternativas: advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas.
O problema é que a lei não definiu qual a quantidade que diferencia um usuário de um traficante. Submetido a uma ação que questiona a prisão de usuários de maconha, o Supremo Tribunal Federal viu-se compelido a corrigir a lacuna legal. Há na Corte 5 votos a 3 para definir que usuário não pode ser trancafiado como traficante. Mas já se formou uma maioria favorável à definição da quantidade que a lei se absteve de fixar.
Sob a alegação de que o Supremo se mete na seara legislativa, os senadores decidiram enfiar no texto da Constituição a criminalização já prevista em lei. De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a emenda piora o soneto, pois repete o texto legal na diferenciação entre traficando e usuário, sem definir a quantidade de droga que caracteriza o "consumo pessoal".
A exemplo do que fizeram os legisladores de 2006, os senadores repetiram a terceirização covarde de 18 anos atrás, transferindo a decisão para o policial que realiza o flagrante, conforme "as circunstâncias fáticas do caso concreto". Delegado de polícia por 27 anos, o senador petista Fabiano Contarato foi ao ponto:
"Essa PEC não inova em absolutamente nada. Sabe o que vai definir, com essa emenda? Que o pobre e preto em um local de bolsão de pobreza, se for flagrado com um cigarro de maconha, as circunstâncias fáticas vão ser a cor da pele e o local do crime. A ele vai ser atribuído tráfico de entorpecentes."
Contarato ecoou o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, que declarou dias atrás: "O que se verifica é que há um critério extremamente discriminatório. Se o bairro é de classe média alta ou se é de periferia, a mesma quantidade recebe tratamento diferente. Nos bairros mais favorecidos é tratado como porte. Nos menos favorecidos é tratado como tráfico".
Na prática, a pretexto de confrontar o Supremo Tribunal Federal, os senadores deixaram tudo como está, para ver como é que fica. E a situação não fica bem. Se o Brasil fosse um país lógico, o Supremo daria continuidade ao julgamento sobre drogas, suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, para definir a quantidade de maconha que distingue um usuário de um traficante. Do contrário, prevalecerá o lema do Chacrinha, que privilegia a confusão.
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