Josias de Souza

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Opinião

Caso Marielle consolida-se como um vexaminoso crime do Estado

A prisão dos três "autores intelectuais" da execução de Marielle Franco -o deputado Chiquinho Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Domingos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa— consolida a execução da vereadora do PSOL e seu motorista Anderson Gomes como um vexaminoso crime estatal. O vexame é potencializado pelo fato de que os irmãos Brazão, estrelas do epílogo escrito pela Polícia Federal, já frequentavam o rol dos suspeitos desde o prefácio do crime. Foram blindados com o auxílio de Rivaldo, um delegado que se dizia "amigo" de Marielle enquanto era remunerado pela milícia.

Ironicamente, a família de Marielle, escorando-se na confiança que o delegado Rivaldo inspirava, guerreou contra a federalização das investigações, sugerida desde 15 de março de 2018, um dia depois do crime, pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge e pelo então ministro da Segurança Pública Raul Jungmann. A manutenção do caso no âmbito estadual foi vital para que os criminosos conseguissem embaralhar as apurações por seis anos. A coisa mudou no aniversário de cinco anos do crime, quando Flávio Dino, primeiro ministro da Justiça de Lula 3, incluiu no jogo as cartas de que dispunha a Polícia Federal.

Em setembro de 2019, no último dia de sua gestão como procuradora-geral, Raquel Dodge tentou novamente nacionalizar o caso. Requisitou a federalização ao Superior Tribunal de Justiça, foro do conselheiro de contas do Rio Domingos Brazão. O pedido foi indeferido. Àquela altura, já estavam presos Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, hoje executores confessos do crime. Os irmãos Brazão —Domingos e o agora deputado Chiquinho— já eram tratados como suspeitos de encomendar a execução de Marielle.

Ou seja: a PF não partiu do zero ao ser acionada por Flávio Dino, no ano passado. Mesmo o envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa, que chegou a consolar a família de Marielle após o crime, já era cogitado há pelo menos cinco anos. Em 2019, o atual superintendente da PF no Rio, Leandro Almada, havia coordenado uma investigação das obstruções que travavam a elucidação do caso. Em relatório de maio daquele ano, Almada anotou que a atuação de Rivaldo merecia ser averiguada, pois suspeitava-se que ele recebera R$ 400 mil para acobertar o crime.

A presença no epílogo da investigação de personagens que frequentam a cena desde o prefácio do caso Marielle reforçam duas evidências: 1) As relações promíscuas entre criminosos, autoridades e o aparato policial produzem um câncer que carcome as entranhas do Estado, tornando-o coautor do crime. 2) O tumor não será extirpado sem a participação do governo federal. Nesse contexto, a elucidação tardia do caso Marielle deveria ser considerada não como o fim, mas como o início de um processo de reestatização do combate ao crime organizado no Brasil.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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