Ao liberar os pagamentos, Dino expõe pantomima das emendas
Não há privilégio mais perverso do que a prerrogativa de torrar verba pública como se fosse dinheiro grátis. No caso das emendas parlamentares, a coisa descambou para a zombaria. O Congresso engana o Supremo. O Supremo sabe que é enganado. O Congresso sabe que o Supremo sabe. Mas não há força no universo capaz de interromper o jogo de esconde-esconde.
Nesta segunda-feira, o ministro da Suprema Corte Flávio Dino desbloqueou o pagamento das emendas de deputados e senadores, que estavam travadas há mais de quatro meses. A decisão foi referendada pela maioria do plenário do tribunal. No seu despacho, Dino escanrou a pantomima. Informou que as emendas custaram ao Tesouro Nacional R$ 186,3 bilhões entre 2019 e 2024. Anotou que Câmara e Senado informaram ser "impossível" recompor o trajeto de todas as emendas, identificando os autores e a destinação.
Dino considerou a alegação "pouco crível", pois seria necessário supor que bilhões de reais saíram dos cofres federais sem o registro em "ofícios, e-mails e planilhas". Ou que "tais documentos existiram e foram destruídos." Concluiu que "jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos". Classificou a "engrenagem" de "flagrantemente inconstitucional". Anotou que "temos a gravíssima situação em que bilhões de reais do Orçamento da nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos".
Segundo o ministro, ficou nítida a falta de transparência e também a impossibilidade de rastrear a execução de emendas de todas as modalidades. Nas suas palavras, "nenhuma despesa no Brasil teve similar trajetória em desfavor da responsabilidade fiscal." Pior: a coisa "não encontra paralelo na história econômica internacional."
Dino impôs condições ao pagamento de emendas antigas. Entre elas a identificação dos padrinhos das verbas. É como se dissesse ao Congresso, com outras palavras, "me engana que eu gosto." O diabo é que a verba que escapa dos cofres é como o dentifrício que sai do tubo. Não tem volta. O contribuinte brasileiro, mesmo sabendo que todos sabem da empulhação, assiste impotente ao funcionamento da usina de torrefação de impostos.
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