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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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MPF vai ajuizar ação contra extinção da Comissão de Mortos e Desaparecidos

Restos mortais de vítimas da ditadura militar no Brasil em ossadas encontradas em Perus.  - Carine Wallauer/UOL
Restos mortais de vítimas da ditadura militar no Brasil em ossadas encontradas em Perus. Imagem: Carine Wallauer/UOL

Colunista do UOL

15/12/2022 17h32

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A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal vai ajuizar nos próximos dias uma ação judicial contra a decisão de extinguir a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos). A procuradora da República Luciana Loureiro confirmou à coluna que a medida deve ser apresentada assim que a procuradoria receber o relatório votado nesta quinta-feira (15).

"Tínhamos recomendado, anteriormente, a não extinção e reiteramos nos últimos dias. Como eles vão extinguir mesmo assim, vamos ajuizar uma ação para tentar impedir", afirmou a procuradora à coluna. Loureiro recorda que o MPF tinha enviado manifestação para a atual gestão da CEMDP com parecer contrário à extinção antes da reunião desta quinta.

Em uma reunião extraordinária, membros da comissão aprovaram a extinção do colegiado em uma votação apertada. Foram 4 votos a favor e 3 contrários. A CEMDP foi criada em 1995, por lei, para reconhecer as vítimas de crimes cometidos por agentes do estado durante a ditadura militar. A extinção foi comandada pelo atual presidente da comissão, o advogado bolsonarista Marco Vinicius Pereira de Carvalho, ex-assessor de Damares Alves.

O órgão fica vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e tem, entre outras responsabilidades, a identificação e a localização dos restos mortais de vítimas da ditadura militar. Segundo os dados da CNV, o Brasil ainda possui 210 desaparecidos políticos do período, por exemplo. Parte do trabalho da comissão era seguir tentando localizar restos mortais dessas vítimas.

Paulo Sergio Pinheiro, ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, no governo FHC e ex-membro da CNV (Comissão Nacional da Verdade), disse à coluna que a decisão pela extinção desrespeita o ordenamento jurídico internacional.

"A extinção da CEDMP viola tanto a legislação brasileira como desrespeita a norma internacional. A lei que criou a CEMDP determinou que a comissão seria extinta com a finalização dos processos. Há numerosos casos pendentes, como reconhecimento de vítimas, busca e localização de corpos e registro de óbitos que ainda não foram objeto de requerimentos individuais, como ocorre com os relacionados a desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, na Vala Perus, em São Paulo", critica Pinheiro.

O procurador da República Sergio Gardenghi Suiama coordenou o Grupo Justiça de Transição do MPF no Rio de Janeiro explica que a decisão contrariou a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2010, para localizar os restos mortais das vítimas da Guerrilha do Araguaia.

"A decisão contraria frontalmente a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), determinou que o Estado brasileiro "promova todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares".

Nadine Borges, ex-presidente da Comissão da Verdade do Rio, explica que a comissão atuava para cumprir as decisões judiciais. "Terminar a CEMDP significa deixar deliberadamente de cumprir uma sentença judicial, já que não há hoje outra estrutura capaz de cumprir essas decisões judiciais. É o Executivo lavando as mãos e se sobrepondo ao Poder Judiciário, o que fere a harmonia entre os poderes e fragiliza a própria democracia", afirma.