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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Colega de Bolsonaro, coronel vira peça-chave de investigação de Carlos

Colunista do UOL

02/05/2023 07h56

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As investigações que apuram peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) seguem avançando no MP do Rio (Ministério Público do Rio) e a coluna apurou que a promotoria está debruçada nos dados do núcleo de familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro em Resende, no interior do Rio. Em especial, no papel de Guilherme dos Santos Hudson, ex-colega de Jair Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e tio de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do ex-presidente.

Por ter sido assessor de Flávio, o coronel Hudson já constou do rol de investigados do procedimento que apura rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). No entanto, agora, o MP também apura o envolvimento dele no caso de Carlos Bolsonaro.

Em uma reportagem desta colunista e dos repórteres Chico Otavio e João Paulo Saconi, publicada no jornal O Globo, em 2020, foi revelado que o coronel Hudson e seu filho Guilherme, ex-assessor de Carlos, estiveram no gabinete do vereador em outubro de 2019, dias antes de comparecer a um depoimento no MP-RJ para a investigação sobre o gabinete do "02". Procurado pela coluna, o advogado Magnum Cardoso, que atua na defesa de Hudson, criticou vazamentos de dados da investigação e disse que não comentaria a matéria que chamou de "fantasiosa".

O papel de Hudson como um dos possíveis operadores do esquema no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj foi revelado no podcast "UOL Investiga: A vida secreta de Jair". Irmã de Ana Cristina, Andrea Valle admitiu, nas gravações, que fazia a entrega de R$ 7 mil mensais em 2018 para um tio chamado Guilherme dos Santos Hudson.

"O tio Hudson também já tirou o corpo fora também porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e buscava no banco era ele", contou Andrea, indicando a existência de outros operadores no esquema além de Queiroz.

O militar é tio de Andrea e de Ana Cristina Valle, segunda mulher do presidente. O coronel Hudson foi colega do ex-presidente na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) nos anos 1970. Ele constou como assessor de Flávio na Alerj, de junho a agosto de 2018. No entanto, pessoas ouvidas pela coluna contam que ele era conhecido há anos como funcionário da família Bolsonaro e sempre transitou junto ao clã.

Coronel é investigado

No procedimento de Flávio Bolsonaro, Hudson teve o sigilo bancário quebrado. Na quebra do militar, foi possível verificar 16 saques que totalizaram R$ 260 mil. A informação foi revelada em reportagem da colunista Juliana Dal Piva e do repórter Pedro Capetti, publicada no jornal O Globo, em 2020.

Os saques foram realizados sempre em espécie e com valores superiores a R$ 10 mil na boca do caixa, em diferentes ocasiões, entre 2009 e 2016. A maioria deles, um total de 11, ocorreu de abril a outubro de 2016. A coluna apurou que o último deles foi no valor de R$ 43 mil, também em dinheiro vivo. Os bancos informaram ao MP que, em alguns casos, possuíam fitas das operações de saque feitas por Hudson.

Esses saques de valores superiores a R$ 10 mil feitos por Hudson ocorreram no mesmo período em que a mulher, um filho e duas noras dele foram assessores de Flávio ou Carlos Bolsonaro. Em toda a investigação sobre rachadinha, o alto volume de saques em dinheiro vivo é considerado suspeito por investigadores porque posteriormente os valores são "lavados" em outros negócios como, por exemplo, pagamento de despesas e compra de imóveis.

De 2013 a 2018, os documentos do Imposto de Renda da fisiculturista Andrea Siqueira Valle foram entregues para a Receita Federal informando que o endereço dela era na rua Erick Nordskog, no bairro Jardim Brasília 2, em Resende. Esse, porém, é o local onde fica a casa do coronel Hudson. Andrea nunca viveu ali.

Confidências de Andrea

Andrea foi funcionária fantasma da família Bolsonaro por 20 anos. Primeiro, constou como assessora de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados, de 30 de setembro de 1998 a 7 de novembro de 2006. Depois, foi nomeada para o gabinete de Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio, em 8 de novembro de 2006. Lá permaneceu até setembro de 2008.

Depois disso, Andrea ingressou no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, onde permaneceu até agosto de 2018. No último ano em que esteve nomeada, o salário bruto de Andrea foi de R$ 7.326,44, fora os benefícios recebidos.

Família Hudson nos gabinetes dos Bolsonaro

Nos dois meses que trabalhou para Flávio na Alerj, o coronel Hudson recebeu um total de R$ 20,8 mil líquidos, e sacou 74% desse montante. A data de sua exoneração, 15 de agosto de 2018, é a mesma de Andrea. Além do coronel, Ana Maria Hudson, sua mulher, constou por 13 anos como assessora de Flávio.

O coronel Hudson cursou a Academia Militar das Agulhas Negras de 1973 até 1977, mesmo período em que o presidente Jair Bolsonaro estudou no local. Hudson passou para a reserva do Exército em 1998. Seu último posto foi no Comando da 7ª Região Militar/7ª Divisão de Exército, no Recife (PE).

Quando o coronel Hudson se aposentou, ele e a mulher retornaram para Resende, cidade no interior do estado do Rio de Janeiro. Alguns anos mais tarde, em 2005, Ana Maria Hudson, mulher do coronel e tia de Ana Cristina, foi nomeada no gabinete de Flávio na Alerj. Ela, porém, sempre foi dona de casa.

Em 2008, o então estudante de Direito Guilherme de Siqueira Hudson, filho do coronel, se tornou chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro no lugar de Ana Cristina, recém separada de Bolsonaro. O filho do coronel ficou nomeado no cargo -o posto mais alto do gabinete— até o fim de 2017.

Na maior parte do tempo que foi funcionário da Câmara Municipal do Rio, morou na cidade de Resende e nunca teve crachá funcional. Além de Guilherme Hudson, o filho, outras duas noras do coronel Hudson também constaram como assessoras de Carlos, mas viviam em Resende.

Reportagem de Caio Sartori no jornal O Estado de S. Paulo, no ano passado, mostrou que o coronel Hudson comprou, em dinheiro vivo, um terreno de Jair Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, em 2008. Em valores atuais, a compra passa de R$ 70 mil.

Nota da defesa de Guilherme Hudson:

"A defesa de Guilherme dos Santos Hudson repudia novamente a continuidade da prática reiterada de vazamento de informações de investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que deveriam por lei tramitar em sigilo. Tal prática além de ilegal se mostra como instrumento causador de profundas injustiças. Com relação ao conteúdo da matéria, a defesa se reserva do direito de não se manifestar, eis que absolutamente fantasiosa".