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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Fabrício Queiroz: caso de 2003 prescreve, embora provas indiquem homicídio

Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) - Reprodução/SBT
Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) Imagem: Reprodução/SBT

Colunista do UOL

14/06/2023 04h00

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Após uma série de críticas à condução da investigação feita pela Polícia Civil ao longo de 20 anos, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) avaliou como "possível homicídio" uma morte ocorrida durante uma operação policial conduzida pelo então tenente Adriano da Nóbrega e por Fabrício Queiroz, à época sargento, em 2003, na Cidade de Deus, na zona oeste do Rio.

No pedido de arquivamento, o MP-RJ escreveu que as provas demonstraram "mais um possível crime de homicídio do que propriamente legítima defesa dos policiais militares" e que, mesmo assim, passaram mais de 17 anos até que a polícia avaliasse essa linha de investigação.

Procurado pelo UOL, Queiroz disse que agiu em legítima defesa. Já a Polícia Civil não retornou.

Como a investigação não conseguiu comprovar a autoria dos disparos, e o prazo para prescrição — 20 anos — foi atingido em maio deste ano, o MP-RJ pediu o arquivamento do caso.

Nos autos, o MP-RJ já tinha descrito que "há grande probabilidade de que tenha ocorrido efetivamente um crime de homicídio qualificado (execução)". A coluna apurou que existe suspeita do uso de uma arma ilegal no crime.

Nóbrega morreu em fevereiro de 2020 após uma operação policial na Bahia. Ele era foragido da Justiça havia mais de um ano e apontado como o líder do Escritório do Crime, milícia que atua na região de Rio das Pedras.

Queiroz foi denunciado junto com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em outubro de 2020 por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa devido ao caso da "rachadinha" na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). As provas foram anuladas por uma decisão do STJ e agora o MP do Rio refaz a investigação.

Ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega - Reprodução/Polícia Civil - Reprodução/Polícia Civil
Ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega
Imagem: Reprodução/Polícia Civil

O crime de 20 anos atrás

Em 15 de maio de 2003, Nóbrega e Queiroz, ambos então servindo no 18º Batalhão da PM, fizeram uma operação policial e registraram a morte do estudante Anderson Rosa como "homicídio proveniente de auto de resistência", dizendo que revidaram um ataque a tiros. A operação ocorreu quatro anos antes de Queiroz se tornar assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Alerj.

O caso foi contado no episódio 2 do podcast UOL Investiga: Polícia bandida e o clã Bolsonaro.

Na versão dos militares, a viatura de cinco policiais patrulhava a Cidade de Deus na madrugada do dia 15 de maio de 2003 e teria "encontrado um grupo de pessoas supostamente armado" e que teria "efetuado disparos de arma de fogo", o que fez com que os policiais disparassem também.

Depois do suposto confronto, os policiais disseram ter encontrado o corpo de Anderson Rosa junto a uma "bolsa preta". Apesar de terem declarado que ocorreu um tiroteio, Queiroz e Adriano disseram que só os dois atiraram, os outros três policiais não. Queiroz e Adriano levaram o corpo de Rosa para o Hospital Cardoso Fontes, alegando uma tentativa de socorro. No entanto, ele deu entrada na unidade já sem vida.

A investigação, porém, apontou para outras conclusões. O caso ficou parado por muito tempo e foi retomado em julho de 2020, quando o MP-RJ verificou uma série de falhas e pediu a perícia das armas dos policiais — o que não tinha sido feito após quase duas décadas do início do inquérito.

A promotoria ainda disse que "causou perplexidade" o fato de a polícia ter devolvido os fuzis para Nóbrega "sem proceder ao imprescindível exame pericial". Ao mesmo tempo, foi periciada apenas a arma encontrada com a vítima.

Tiros para confirmar

Nos autos, foi descrito que a hipótese de assassinato ganhou força depois que o perito Nelson Massini foi ouvido pela polícia e avaliou o laudo cadavérico de Anderson Rosa, que sofreu tiros no crânio, tórax e abdômen.

No depoimento, Massini disse que, "se o primeiro disparo foi pela frente, como se imagina numa situação de confronto, os dois pelas costas foram de confirmação. Outra hipótese, se os tiros pelas costas foram os primeiros, o que contraria a posição de confronto, o tiro na região mamária foi confirmatório. Um dos disparos tem um trajeto inclinado revelando que a vítima está inclinada ou no solo".

Os fuzis só foram entregues para o confronto balístico no fim de 2020. O laudo feito pelo ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli) não achou compatibilidade entre as armas e os projéteis encontrados na cena do crime.

Segundo o MP-RJ, esse dado aponta que os disparos que mataram Rosa foram desferidos por "arma de calibre menor de uso da corporação e ou 'até mesmo de armas de fogo sem registro (extraoficiais)'".

Ao arquivar o caso, o MP também afirmou que "infelizmente a investigação começou e perdurou por 17 anos de forma completamente equivocada, pois, além de ter demorado quase um ano para instaurar o inquérito policial, a autoridade policial procurou adotar de maneira precipitada a tese de legítima defesa, descartando possível prática de crime de homicídio, tendo sido cometidas diversas falhas que dificultaram o êxito das investigações".

Foi criticado ainda o fato de, nos últimos anos, o caso ter sido encaminhado para a Delegacia do Acervo Cartorário já que se trata de um homicídio e o Rio de Janeiro possui uma delegacia especializada, a DH.

"Bonde do madruga"

A viúva de Anderson Rosa prestou depoimento para a polícia, pela primeira vez em 18 anos, em março de 2021. No depoimento, ela disse que o marido já tinha trabalhado com diferentes serviços gerais, mas estava desempregado na época em que morreu e admitiu que ele trabalhava para o tráfico, mas, segundo ela, não tinha armas. Ele não tinha, até o dia do crime, segundo a polícia, nenhum registro criminal.

A viúva disse que Adriano e Queiroz eram conhecidos como "bonde do madruga" em razão do "terror que criavam aos moradores, sempre nas madrugadas". Além disso, eram temidos pela fama de uso de "violência excessiva".

Ela disse que, no dia em que o marido morreu, estava indo trabalhar quando foi abordada pela guarnição comandada por Nóbrega e Queiroz e que os policiais jogaram os pertences dela no chão e depois "perguntaram se ela iria trabalhar ou iria para o 'puteiro'".

Horas depois, quando soube da morte do companheiro, ela foi ao local e ouviu de uma moradora que Anderson Rosa tentou fugir da abordagem dos policiais, mas foi alcançado por Adriano e Queiroz. Depois de capturado, eles teriam colocado "Anderson ajoelhado e efetuado um disparo de arma de fogo na nuca". O relato é compatível com o tiro no crânio.

Segundo ela, depois da morte, a guarnição de Adriano e Queiroz chegou a passar na frente da Associação de Moradores, onde ocorreu o velório, e "zombaram dos familiares e amigos que o velavam".

Leia a nota de Fabrício Queiroz

"Uma ocorrência policial onde minha guarnição foi recebida a tiros. Ao revidar a injusta agressão, um dos meliantes foi fatalmente abatido. Isso configura legítima defesa. O único amparo para o policial abater um meliante ou quem atentar contra sua vida ou de outrem."