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Trump adota estratégia eleitoral suicida com pandemia voltando a crescer

"Imune à covid-19", Trump inicia maratona de comícios antes das eleições - WIN MCNAMEE/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP
"Imune à covid-19", Trump inicia maratona de comícios antes das eleições Imagem: WIN MCNAMEE/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP

Colunista do UOL

12/10/2020 20h40

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A três semanas das eleições de 3 de novembro, o presidente Donald Trump adotou uma estratégia suicida do ponto de vista político ao fazer comícios num momento em que os casos de covid-19 crescem em 31 dos 50 estados americanos. Ele, que contraiu o coronavírus, soa completamente irresponsável.

O número de novos casos por dia vai se aproximando dos 60 mil, o que é uma péssima notícia porque o outono chegou e estimula doenças respiratórias. Anthony Fauci, principal infectologista do país e integrante da força-tarefa da Casa Branca, tem alertado para o risco de um inverno desastroso, porque as pessoas ficarão mais tempo em ambientes fechados, o que facilita o contágio.

Mais de 215 mil pessoas morreram de covid-19 no país, que tem o maior número absoluto de casos e fatalidades do planeta. Quase 8 milhões de americanos adoeceram de covid-19. A pandemia está, de novo, recrudescendo, o que contraria a afirmação de Trump de que os Estados Unidos estariam "virando a página". Só que não.

Nesta segunda, o republicano fez um ato eleitoral na Flórida com a maioria dos apoiadores sem máscara e sem distanciamento social. No sábado, recebeu cerca de duas mil pessoas na Casa Branca para um pronunciamento rápido. Antes de entrar no gramado da Casa Branca e ser incentivada a usar máscara, a maioria dos convidados não cobria o rosto.

Trump patrocina eventos que contrariam todas as recomendações sanitárias do seu próprio governo. Mais pessoas adoecem e morrem nos EUA pela sua falha no combate à covid-19, como acontece no Brasil do presidente Jair Bolsonaro. Trump e Bolsonaro tentam normalizar as tragédias em seus países. O americano verá em breve o veredito das urnas. O brasileiro está em campanha para se reeleger daqui a dois anos.

Pouco antes do comício desta segunda-feira, na Flórida, a Casa Branca divulgou que o presidente americano testou negativamente para covid-19 nos últimos dois dias. Obviamente, é uma forma de tentar evitar ser responsabilizado por difundir o coronavírus. Na Fox News, rede de TV conservadora, ele disse: "Posso estar imune por longo tempo, por curto tempo, pela vida inteira".

Em 1º de outubro, foi confirmado que Trump contraiu covid-19. O presidente tomou medicamentos usados em casos graves, o que recomenda uma quarentena de 20 dias, segundo orientações do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), um órgão do governo federal. A Casa Branca não tem sido transparente. Em tese, ele deveria estar em isolamento.

Mesmo tendo dois testes em sequência dizendo que ele não tem mais covid-19 e não poderia transmitir a doença, há sempre a possibilidade de que sejam falsos negativos. Segundo a rede de TV CNN, ele usou um tipo de teste rápido, menos confiável.

Pior: quem contraiu o coronavírus por colocar a própria vida em risco continua a dar um mau exemplo ao promover comícios que são eventos candidatos a superdifusores da doença.

Trump está prisioneiro da narrativa que comprou e vendeu aos americanos. Mas deu errado a estratégia de minimizar o coronavírus. As pesquisas têm mostrado uma dianteira do democrata Joe Biden de 10 ou mais pontos percentuais no voto nacional.

Biden também tem ampliado a vantagem nos estados mais disputados e fundamentais para vencer no Colégio Eleitoral. Nos EUA, não basta vencer no voto nacional. Isso tem significado político. Mas o que interessa é vencer na disputa indireta, no Colégio Eleitoral, que tem 538 delegados. É preciso, no mínimo, maioria absoluta (270).

Ao fazer comícios na pandemia, Trump assusta um eleitorado mais velho e algo branco que foi fundamental para a sua vitória em 2016. Pessoas mais velhas, mais vulneráveis, veem o presidente mais bem medicado do mundo agir como um irresponsável. Para agravar a situação de Trump, ele já está mal entre as mulheres. E também perde de lavada para Biden no voto negro. O presidente está colecionando indisposição com diversos segmentos do eleitorado e apostando tudo na sua base tradicional.

Mas 2020 é bem diferente de 2016. Há uma série de fatores que aponta Biden como favorito. Desde o começo da pandemia, Trump jogou errado e está a caminho de pagar o preço de suas escolhas. Fazer campanha para convertidos, dependendo de uma combinação improvável de fatores, pode ser pouco para continuar na Casa Branca. Parece que ele sabe que está perdendo a eleição e tenta uma reviravolta na base do desespero. Na vida e na política, isso não costuma dar certo.