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Kennedy Alencar

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Araújo poupa Bolsonaro, joga culpa para Saúde e mente sobre EUA e China

17.mai.2021 - Ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo chega ao Senado para ser ouvido na CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
17.mai.2021 - Ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo chega ao Senado para ser ouvido na CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

18/05/2021 11h41Atualizada em 20/05/2021 13h29

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Na CPI da Pandemia, Ernesto Araújo mentiu sobre as relações do Brasil com os EUA e a China, adotando narrativa fantasiosa sobre "um conjunto dinâmico de parcerias internacionais" construído durante a sua gestão no Itamaraty. O ex-ministro das Relações Exteriores poupou o presidente Jair Bolsonaro e jogou para o Ministério da Saúde a responsabilidade pela estratégia do governo na pandemia.

"Nenhuma", disse Araújo se tinha responsabilidade pela piora na relação do Brasil com a China. Mentira. Ele deu essa resposta ao ser indagado se as hostilidades que cultivara com Pequim, uma marca de sua gestão, foram responsáveis por atraso na importação de insumos do país asiático para a produção de vacinas no Brasil.

Ao longo de várias perguntas do relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), o ex-ministro das Relações Exteriores sempre ressaltava que a estratégia do Brasil de combate à pandemia era de responsabilidade do Ministério da Saúde. Citou especificamente orientações para aquisição de vacinas e importação de insumo indiano a fim de produzir hidroxicloroquina no Brasil. "Pedido do Ministério da Saúde", reiterou.

Segundo ele, foi do Ministério da Saúde a decisão de aderir ao Covax Facility pedindo vacinas para atender a apenas 10% da população brasileira. O Brasil poderia ter reservado uma cobertura para até 50% da população ao integrar o consórcio internacional para produzir vacinas. Essa decisão foi tomada durante a gestão de Eduardo Pazuello na pasta da Saúde. Pazuello deporá amanhã a CPI.

Araújo adotou uma clara linha de terceirizar responsabilidades por prejuízos ao combate à pandemia. No entanto, ele também tem culpa no cartório. Ações e omissões de sua política externa isolaram o país no cenário internacional durante a maior crise sanitária em um século, momento em que seria necessária, mais do que nunca, uma atuação geopolítica e diplomática respeitada e ouvida.

No entanto, Araújo disse que o Brasil deveria ser "pária" no cenário internacional, se esse fosse o preço para defender suas posições isolacionistas em organismos internacionais. A gestão de Araújo diminuiu a importância brasileira no mundo. A respeito da pandemia, ficou claro que ele, deliberadamente, poupou Bolsonaro e atirou no Ministério da Saúde. Esse comportamento sugere uma tentativa de deixar na conta de Pazuello a responsabilidade pela tragédia que a covid-19 causa no Brasil.

O ex-ministro chegou a dizer que não houve alinhamento com os Estados Unidos durante a sua passagem pelo Itamaraty. Afirmou que se tratava da recomposição de uma relação que se desgastara em governos anteriores. Mentira.

Araújo e Bolsonaro foram muito além do que deveriam na relação com os Estados Unidos. É um erro um país submeter os seus interesses nacionais aos interesses nacionais de outro país. Araújo e Bolsonaro submeteram os interesses brasileiros aos interesses políticos, econômicos e eleitorais do então presidente Donald Trump, que perdeu a reeleição no ano passado.

O Brasil questionou a lisura da vitória eleitoral de Joe Biden em novembro de 2020. O governo Bolsonaro zerou alíquotas de importação de etanol americano para ajudar Trump, que queria agradar durante a eleição aos produtores do estado de Iowa. O Brasil agiu a mando dos EUA na relação com a Venezuela.

As mentiras diplomáticas de Araújo levaram o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), a alertar o ex-ministro sobre as consequências de faltar com a verdade durante o depoimento: "Vossa excelência nega aquilo que escreveu. Aí não dá".

Com a tradicional fala insegura e hesitante, o ex-ministro negou ter mentido. Afirmou que se referira a um conceito do filósofo esloveno Slavoj Žižek ao mencionar "comunavírus" em artigo e que abordara a China lateralmente. Araújo, porém, teve atrito com autoridades chinesas ao defender agressões do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao país asiático. O então ministro também endossou falas presidenciais hostis e desrespeitosas em relação aos chineses.

Renan terminou a sua inquirição às 10h38, quando a palavra foi passada ao senador negacionista Marcos Rogério (DEM-RO). Até as 13h, um destaque foi a intervenção incisiva da senadora Kátia Abreu (PP-TO), que chamou Araújo de "negacionista compulsivo" e responsável por uma política externa desastrosa. "O senhor foi uma bússola que nos direcionou para o caos, para um iceberg, para o naufrágio da política externa brasileira", disse a senadora.

Bancada negacionista

Outro destaque, lamentável, coube a Eduardo Girão (Podemos-CE), senador negacionista que mente em todas as sessões da CPI para defender o uso irresponsável da cloroquina. Na visão de mundo de Girão, há críticas à resposta de Bolsonaro à pandemia porque se trata de um governo conservador. Ora, trata-se de um governo que ampliou o desastre sanitário no Brasil, com uma estratégia que levou mais gente a morrer, a adoecer e a ficar com sequelas do que seria necessário caso Bolsonaro tivesse ouvido a ciência. Girão tem defendido o obscurantismo com afinco na CPI.

Às 16h33, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) elogiou Araújo, a quem chamava de "senhor Ernesto". Disse que o ex-ministro das Relações Exteriores "não caiu em provocações de possíveis desavenças com o presidente da República e outros ministros". A fala sugeriu um aceno por Araújo ter poupado Bolsonaro no depoimento à CPI da Pandemia.

Coroando falas de negacionistas, como as dos senadores Girão e Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS), Flávio Bolsonaro destacou os números absolutos de vacinas aplicadas em primeira dose no Brasil para dizer que o país é o quarto que imuniza mais no mundo.

O que importa é o número relativo, segundo o qual o Brasil está hoje na 62ª posição global. Segundo o filho do presidente, faltam vacinas porque existe uma "disputa mundial difícil". Flávio Bolsonaro disse que há um "negacionismo do óbvio" ao defender o governo do pai e a gestão do "senhor Ernesto" no Itamaraty. De forma envergonhada, o filho do presidente voltou a sugerir que a China teria criado o novo coronavírus por motivos econômicos e geopolíticos, o que é mentira e gera problemas com Pequim.

Com o início dos trabalhos do dia no plenário no Senado, a sessão do depoimento de Araújo foi encerrada pelo presidente da CPI, Omar Aziz, às 16h50.

Encolheu mais

Ernesto Araújo terminou o depoimento se apequenando ainda mais como personagem político. Ele é autor da pior gestão da história do Itamaraty. Depois de isolar o Brasil num momento de crise sanitária global com um política externa submissa ao trumpismo, ele depôs por mais de sete horas e voltou para a lata do lixo da História, lugar para o qual irão todos esses negacionistas que estão no poder hoje.