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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro fala em sabotagem no Enem. Sim, ela se chama Abraham Weintraub

Antonio Cruz/Ag Brasil
Imagem: Antonio Cruz/Ag Brasil

Colunista do UOL

28/01/2020 12h29

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O presidente Jair Bolsonaro resolveu se pronunciar sobre o chabu do Enem 2019, "apenas" 11 dias após pipocarem as reclamações de candidatos dizendo que suas notas estavam bichadas. Afirmou que a situação está "complicada" e que o governo tem que apurar "se realmente foi uma falha nossa, se tem uma falha humana, sabotagem".

Independentemente do que a (necessária) investigação aponte, houve clara sabotagem. Mas ela foi interna, de seu próprio governo.

Um presidente da República coloca em uma das mais importantes funções do país duas figuras - primeiro, Ricardo Vélez, depois, Abraham Weintraub - claramente incapazes de garantir uma gestão profissional e racional da coisa pública e depois quer que tudo dê certo? Por mais que o bolsonarismo não seja afeito à ciência, deve entender que toda ação leva a uma reação.

Em outras palavras, se você deixar um confeiteiro fazendo o trabalho de um pedreiro, o cliente não pode reclamar se vier uma casa de marshmallow com portas e janelas de chocolate.

Estudantes que se sentiram prejudicados pelos erros no Enem 2019 registraram representações no Ministério Público Federal, exigindo revisão geral da correção da prova, auditoria transparente nos processos e comunicação individual dos resultados.

A seleção pelo Sisu - o Sistema de Seleção Unificado - chegou a ser suspensa pela Justiça Federal e universidades públicas declararam temer o atraso das aulas ou mesmo o não preenchimento de vagas. O MEC recebeu mais de 172 mil reclamações sobre a nota, mas disse que encontrou erros em menos de 6 mil. Estudantes discordam e a novela ainda vai longe.

Weintraub, que não enviou para os candidatos informações sobre a revisão de suas provas, teve a pachorra de atender, via Twitter, o pedido de um simpatizante do presidente que teve a nota da filha averiguada. Este sim recebeu a comunicação do resultado da checagem, dezenas de milhares de outros, não.

Bolsonaro não indicou profissionais da educação gabaritados para o cargo, pessoas que se dedicariam à educação e não à disputa ideológica. Preferiu se rodear de quem gasta mais tempo pensando em agradar seus delírios do que no bom funcionamento da República.

Isso se estivermos considerando que a sabotagem foi não intencional. Pode ser parte de um projeto de país.

Talvez o ato de colocar pessoas incapazes no Ministério da Educação seja o plano de Bolsonaro desde o princípio. Afinal, ele acredita que, para construir um Brasil com valores e princípios conservadores, é necessário destruir primeiro o que havia antes. O que inclui as instituições que garantem o funcionamento da vida cotidiana.

Como travar a fiscalização ambiental para atender a pecuaristas, madeireiros, garimpeiros e grileiros e, depois, se espantar quando o desmatamento e as queimadas aparecerem na mídia internacional e na mesa de investidores estrangeiros.

O problema é que a vida não se interrompe para ver a disputa ideológica passar. O Brasil conta com uma formação precária dos docentes e com alunos que saem do Ensino Médio analfabetos funcionais; assiste ao roubo, à ausência e à baixa qualidade da merenda escolar; paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente em todas as escolas - metade não tem esgoto. Mas, para o presidente, o problema é que os livros têm muita coisa escrita, além de fictícias mamadeiras de piroca.

Como já disse aqui, quando o MEC informou, em abril do ano passado, que a gráfica que imprime o Enem, desde 2009, anunciara falência, quem acompanha a prova ficou apreensivo. Isso já seria um problema desgraçadamente grande se o ministério fosse gerido por um governo racional.

Mas sem planejamento, comando ou autocrítica e tendo sido loteado, na época, para pupilos de um polemista narcisista de extrema direita, a instituição estaria mais vulnerável a falhas. Deu no que deu.

Em meio à crise no Enem e com reclamações de problemas na plataforma do Sisu, Weintraub se dedicou a ofender os historiadores Leandro Karnal e Marco Antônio Villa, postar carta de apoio ao novo partido do presidente, espalhar fake news sobre o jornalista Reinaldo Azevedo, entre outras estripulias. Sim, a cadeira do ministério segue vaga.

Bolsonaro vai descobrir que ele mesmo sabotou o ministério ao tentar fazer dele uma máquina de guerra cultural com o objetivo de ressignificar o passado e controlar o presente. A questão é que a sociedade não está corrompida e degradada, precisando de refundação, como ele pensa. Já o seu governo, sim.