Bolsonaro usa demissão de Mandetta para terceirizar culpa por desemprego
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Jair Bolsonaro pegou carona no anúncio da troca de Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich, no Ministério da Saúde, na tarde desta quinta (16), para - mais uma vez - se isentar de responsabilidade sobre o tombo que a economia e os empregos vão levar com a pandemia de coronavírus. Ele, que gosta de lembrar que é o capitão, o técnico, o presidente, não pensa duas vezes antes de responsabilizar terceiros por problemas que ele mesmo ajudou a criar.
"Em nenhum momento, fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte dos governadores e prefeitos. Tenho certeza que eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto", afirmou. "Se porventura exageraram, não bote mais essa conta nas costas do nosso sofrido povo brasileiro."
As medidas de isolamento social, defendidas por Mandetta e executadas por Estados e municípios, buscam retardar o avanço da infecção e evitar o colapso do sistema de saúde. Bolsonaro teme que, com o travamento da economia, o restante de seu mandato seja inviabilizado e sua reeleição, impossibilitada. Por isso, continua defendendo que todos voltem ao trabalho, mesmo sob risco de contágio, defendendo a fábula do isolamento apenas de idosos e pessoas imunodeprimidas.
Na mesma cerimônia em que defenestrou Mandetta, o presidente também jogou a conta do desemprego nas costas de prefeitos e governadores. Quando a ação deles, contudo, for apontada como responsável por reduzir o contágio e, consequentemente, a ocupação de hospitais e o número de mortos, Bolsonaro vai trazer a brasa para a sua sardinha. Bradará que, na verdade, a pandemia não foi tão ruim quanto alertavam e que ele é que estava certo.
Mais do que nunca, o presidente precisa que a letalidade da Covid-19 seja menor do que se espera para que essa narrativa faça sentido junto à população. E para que ele tenha um futuro político.
Ironicamente, é seu Ministério da Economia que defende mudanças na legislação trabalhista como forma de fomentar o crescimento após a pandemia. Ou seja, é seu próprio governo que deseja enviar a fatura, novamente, ao tal do povo brasileiro, com a redução na proteção dos trabalhadores. Aliás, não esperaram nem o coronavírus arrefecer, uma vez que as Medidas Provisórias do governo que estão sendo apreciadas pelo parlamento trazem, em seu bucho, redução de direitos.
Há setores do Congresso Nacional, da esquerda à direita, que defendem a taxação, mesmo que temporária, do patrimônio e da renda de bilionários e multimilionários para ajudar a quitar a conta da crise. Cinicamente, em seu governo, silêncio sobre o assunto. É provável, portanto, que era para esse naco do "povo brasileiro" que o presidente estava demonstrando sua solidariedade no pronunciamento de hoje.
A declaração de Bolsonaro também funciona como uma defesa às críticas que seu governo vem recebendo pela demora na divulgação de ações para proteger empregos, salários e micro e pequenas empresas.
O presidente já tem usado o repasse da renda básica para se autopromover, mas há milhões de informais que não receberam ainda os R$ 600,00, apesar de três semanas terem se passado desde que as quarentenas começaram. Divulga, aos quatro ventos, que os empregos estão garantidos com o pacote de auxílio lançado por ele, mas a redução salarial é tão severa que muitas famílias terão problemas graves para se manter. Sem contar as medidas insuficientes para garantir a sobrevivência de pequenos negócios.
O governo poderia proibir demissões por dois meses, período do pico da infecção pelo coronavírus. E garantir recursos para as empresas poderem pagar salários dos trabalhadores até o teto do INSS, como era a reivindicação de trabalhadores e empresários. Poderia.
Vale lembrar que, no início da crise, Paulo Guedes gastava tempo precioso defendendo que o impacto econômico do coronavírus fosse mitigado pela aprovação das reformas - misturando oportunismo com um total descolamento com a realidade.
Ao mesmo tempo, o presidente usou o discurso, desta quinta, para tentar reescrever o passado recente à luz de suas necessidades.
"Estávamos praticamente voando no final do último trimestre [de 2019]. Tudo estava indo muito bem e o Brasil tinha tudo para dar certo no curto espaço de tempo", afirmou o presidente. Os indicadores, contudo, não mostram que a economia estava voando, mas derrapando. Ou seja, uma realidade com mais tons de cinza do que o arco-íris que só bolsonaristas enxergavam.
Por exemplo, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, do IBGE, a taxa de desocupação no país foi de 11,6% no trimestre encerrado em fevereiro - portanto, antes do coronavírus provocar estragos por aqui (o primeiro caso no país foi registrado em 26 de fevereiro). O trimestre terminado em novembro havia marcado 11,2%. Em fevereiro de 2019, a taxa era de 12,4%. Mesmo considerando as questões de sazonalidade, o país ainda ostentava 12,3 milhões de pessoas sem trabalho.
O governo Bolsonaro não é culpado pela pandemia no Brasil, mas é sim responsável pelo atraso no planejamento de medidas para a economia e, portanto, pela fome e as dificuldades que uma parcela da população está sentindo devido à falta de trabalho. Mas também pela demora no planejamento para a saúde - o que incluiria a compra antecipada de equipamentos, como respiradores, máscaras, luvas, aventais; a preparação de leitos e UTIs e a contratação de profissionais. Mandetta se sobressaiu frente à aridez da Esplanada dos Ministérios, mas - é importante reconhecer - também demorou a agir.
E, principalmente, Bolsonaro é culpado por espalhar desinformação sobre a Covid-19 com suas declarações e atos em defesa do fim do isolamento social. O egoísmo de um presidente que prioriza sua autopreservação política frente à vida ajudou a aumentar a velocidade de contágio entre os brasileiros. E fez com que o país passasse a ser considerado uma piada de mau gosto em todo o mundo. Mandetta caiu, basicamente, porque se manteve firme em defensa da ciência e se opôs a essa loucura.
Bolsonaro vai insistir na narrativa, claro. Mas o tamanho da catástrofe é que vai dizer o destino de seu governo de agora em diante.
Por fim, Jair atropelou o discurso de despedida que Luiz Henrique Mandetta fazia no auditório do Ministério da Saúde, na tarde desta quinta, e começou seu pronunciamento, no Palácio do Planalto, enquanto o "ex" ainda falava. Ironicamente, suas primeiras palavras foram para chamar a demissão de "divórcio consensual".
O presidente e sua equipe de comunicação poderiam ter esperado um pouco, como deferência ao auxiliar que está de saída, sabendo que todas as transmissões iriam convergir imediatamente a ele. Mas não fez. Tendo usado uma de suas metáforas preferidas, a de casamento, pode se dizer que essa falta de gentileza mostra que a separação deixou profundas cicatrizes.
Mandetta, contudo, de solidão não sofrerá. Ele deve, em breve, criar um perfil no Tinder político. Afirma que não fará parte de nenhum governo. Mas seu discurso de despedida não foi de alguém que quer ficar sozinho, mas de quem sabe muito bem que 76% de aprovação é um belo patrimônio eleitoral. E 2022 é logo ali.