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Leonardo Sakamoto

Covid: Bancada cristã pressiona Prefeitura de SP a respaldar culto e missa

Coveiro caminha no cemitério Parque Taruma durante o surto da doença por coronavírus em Manaus - BRUNO KELLY/REUTERS
Coveiro caminha no cemitério Parque Taruma durante o surto da doença por coronavírus em Manaus Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Colunista do UOL

20/05/2020 01h00

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Resumo da notícia

  • Decretos apontaram templos e igrejas como atividades essenciais, mesmo assim há religiões que preferiram interromper atividades presenciais.
  • Para respaldar as igrejas, a bancada cristã na Câmara dos Vereadores de SP por conta própria criou um termo com regras de funcionamento.
  • O documento não foi chancelado nem rejeitado pela Prefeitura e não tem valor legal. O MP-SP teme risco de contágio.

A realização de cultos e missas durante a pandemia tem sido uma fonte inesgotável de polêmica devido à possibilidade de se tornarem vetores de disseminação do coronavírus. O Ministério Público de São Paulo chegou a conseguir a proibição de cerimônias e reuniões presenciais na Justiça, mas a liminar foi cassada. Atividades religiosas acabaram sendo consideradas essenciais pelo governo, podendo operar na quarentena desde que seguissem recomendações sanitárias. Mesmo assim, há religiões que preferiram transmitir seus serviços on-line para evitar aglomerações. Nem todas, contudo.

Grandes templos estão funcionado em São Paulo, amparados por decretos, mas também por um "termo de compromisso" que a bancada cristã da Câmara Municipal propôs à Prefeitura, na última quinta (14), estabelecendo critérios sanitários para o funcionamento de igrejas e templos. O documento, contudo, não foi chancelado nem rejeitado pela administração municipal e não tem valor legal.

Criticadas por atravessarem o pico da pandemia de portas abertas, lideranças religiosas acionaram vereadores para garantir respaldo e evitar serem apontadas como responsáveis por ajudar o vírus.

Um dia após a Frente Cristã enviar o termo para a administração municipal, o chefe da Casa Civil, Orlando Lindório de Faria, retornou um ofício aos vereadores. A resposta foi anódina. Ele apenas disse que se os compromissos assumidos "estiverem em acordo e atendimento" aos decretos estadual e federal, que tratam das atividades essenciais, mas também com os parâmetros e recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, então não conflitam com as regras da Prefeitura.

Isso foi o suficiente para que o "termo de compromisso" circulasse em grupos de WhatsApp, com recomendações para ele fosse usado como uma "vacina" a possíveis críticas, uma vez que o poder público municipal estaria respaldando a realização dos encontros dentro daquelas balizas sanitárias. A informação foi passada à coluna por lideranças evangélicas preocupadas com o impacto trazido pelo funcionamento de grandes templos durante a pandemia.

A Prefeitura de São Paulo afirmou, através de sua assessoria de comunicação, que "um termo de compromisso e cooperação não substitui decreto municipal" - instrumento usado para determinar regras de funcionamento de atividades. Também disse que o município tem recomendado que "não sejam realizados eventos que aglomerem pessoas para evitar situações que ampliem o risco de contágio".

Questionada, se as regras sanitárias para o funcionamento de igrejas e templos não deveriam ser criadas por decreto ao invés de um termo de compromisso proposto por uma bancada de vereadores, a Presidência da Câmara, exercida por Eduardo Tuma (PSDB), afirmou apenas que o ofício enviado à Prefeitura "trata de indicação ao Executivo com parâmetros para o funcionamento e exercício da assistência religiosa na capital".

A coluna também perguntou à Presidência da Câmara se considera que o termo de compromisso foi aceito pela Prefeitura. Em nota, limitaram-se a dizer que "a resposta da Prefeitura à indicação foi que os parâmetros não conflitam com o decreto municipal".

Decretos

Instituições religiosas de qualquer natureza podem operar durante a quarentena por terem sido enquadradas como atividade essencial e, portanto, de acordo com o decreto presidencial 10.282, de 20 de março. Precisam apenas obedecer às determinações do Ministério da Saúde quanto à pandemia.

O decreto estadual paulista 64.881, de 22 de março, que também versa sobre atividades essenciais não trata do assunto, transferindo a questão ao decreto federal. E o decreto municipal 59.349, de 14 de abril, afirma que o horário de funcionamento de atividades religiosas é livre, desde que obedecidas as recomendações sanitárias. O problema é que ninguém deixou claro quais recomendações são essas. E a bancada cristã acabou definindo sozinha.

Em uma visita aos bairros do Campo Limpo e do Capão Redondo, na periferia sul da capital, é possível constatar que muitos locais de culto operam normalmente - muitos deles com aglomerações e sem o distanciamento social preconizado pela OMS. Templos da Igreja Universal do Reino de Deus também estão funcionando.

As igrejas menores sofrem mais com o fechamento em comparação às maiores, que já contavam com telecultos e dízimo via cartão de crédito. Mas as grandes também sentiram o impacto financeiro e simbólico do fechamento - há líderes que passaram décadas afirmando que se os fieis fossem a seus cultos, estariam seguros.

A Arquidiocese de São Paulo suspendeu as missas presenciais e as igrejas católicas têm transmitido cultos pela internet. A igreja Deus é Amor também suspendeu os cultos presenciais, transmitindo as reuniões. Outras religiões têm adotado o mesmo padrão enquanto se mantiver a pandemia para evitar contaminação de fieis.

Igrejas vs Academias

O Ministério Público de São Paulo havia obtido uma liminar, no dia 20 de março, que obrigava o governo e a Prefeitura de São Paulo a impedirem a realização de qualquer ato religioso que implicasse em reunião de pessoas em qualquer tipo de casa religiosa. A liminar veio a ser cassada, cinco dias depois, por recurso do poder público a pedido do governa estadual e da prefeitura. Neste ano, há eleições municipais e as igrejas sabem que políticos precisam de seu apoio.

O MP ainda busca a proibição total de atividades religiosas presenciais.

"Por que academias não podem e igrejas podem?", questiona uma fonte do poder público estadual que pediu para não ser identificada. "O governo do Estado editou, recentemente, um decreto proibindo a reabertura de academias, salões de beleza e barbearias após o presidente Jair Bolsonaro ter imposto esses serviços como essenciais. Permitir a abertura de templos agrada a líderes religiosos em ano eleitoral."

A coluna ouviu também promotores do MP-SP que contam com posição semelhante. Um deles afirmou que, do ponto de vista sanitário e da responsabilidade do administrador, "é uma irresponsabilidade não fechar igreja em um Estado Laico, em um momento de grave risco sanitário". Segundo ele, o direito coletivo à saúde supera o direito à liberdade religiosa presencial. "É lamentável que uma questão politica se interponha ao interesse de milhões de cidadãos de poupar o sistema de um colapso."

Termo de compromisso

O termo de compromisso traz critérios para funcionamento de igrejas e templos e seria válido a partir de 8 de maio - seis dias antes de sua data de envio à Prefeitura. Limita a lotação máxima a 30% da capacidade do local, garante que assentos devem ser disponibilizados de forma alternada entre as fileiras de bancos e assegura o uso de máscara e disponibilização de álcool gel.

Mas "incentiva" a medição da temperatura dos fieis, "orienta" que pessoas que apresentem tosse persistente, desconforto respiratório e gripe não entrem e "recomenda" a fieis idosos, imunodeprimidos e gestantes a não participarem das missas e cultos. Diz que atendimentos individuais serão realizados com horário agendado e que após a missa ou culto, os locais precisam ser higienizados. E que devem ser adotadas medidas para os trabalhadores não se contaminarem, entre outras ações.